Com a nota rebaixada para "zero" na semana passada, o Badesul perdeu a credencial para ser agente financeiro do BNDES. Entre as razões apontadas, está o alto número de clientes em recuperação judicial: 25 ao todo. Pelo menos 21 desses empréstimos foram concedidos durante o governo Tarso Genro, durante a presidência de Marcelo Lopes na instituição.
Da carteira de crédito do banco, aproximadamente R$ 3 billhões, mais de 10% (R$ 355 milhões) foram direcionados a empresas que hoje estão em sérias dificuldades financeiras. Desse valor, mais de R$ 294 milhões foram emprestados entre 2011 e 2014.
Em entrevista exclusiva a ZH, o ex-presidente do Badesul avalia os motivos que levaram tantas companhias a pedir socorro e garante: o rito de avaliação de crédito foi todo respeitado.
Na semana passada, o Badesul teve a nota rebaixada para zero e perdeu o status de agente financeiro do BNDES. Uma das justificativas é o alto número de clientes em recuperação judicial, 25 ao todo. Pelos menos 21 desses empréstimos foram concedidos na sua gestão. A notícia surpreendeu?
Por eu ter vestido a camiseta e ficado os quatro anos da gestão Tarso Genro, acompanho o Badesul, fiquei surpreso com a notícia. Sei das dificuldades em função das empresas, principalmente com as recuperações judiciais. É importante colocar alguns dados que conseguimos alavancar nesse período: tínhamos um patrimônio líquido no início da nossa gestão na casa de R$ 400 milhões ou R$ 450 milhões, que subiu para R$ 700 milhões. Grande parte do "colchão de liquidez" de mais de R$ 600 milhões do banco foi construída com os aportes de capital que o governo fez ao longo desses quatro anos. Recebemos parte dos recursos que o governo do Estado buscou no BNDES. Também recebemos capitalizações que vieram em função do Fundopem, parte do qual vinha para capitalizar o Badesul. Tudo isso foi compondo um patrimônio líquido.
O volume de recursos para empréstimos aumentou de forma considerável entre 2011 e 2014. Levando em conta que R$ 294 milhões foram destinados a empresas que hoje estão em dificuldade financeira, o senhor considera que possa ter havido, em algum momento, uma má avaliação de crédito?
A média dos desembolsos do banco era de R$ 200 a R$ 300 milhões (na gestão anterior). Passamos para R$ 1 bilhão por ano. Isso foi sustentado pelos aportes de capital. Até o final de 2013, nós tínhamos todos os indicadores com performance excelente. A qualidade de carteira estava acima de 95% de AA,A, B e C. Uma taxa de inadimplência abaixo de 1%. Isso antes do início da crise. Aí chegamos a setembro de 2014, houve os problemas com a Iesa, a Oléo & Gás. O projeto da Iesa previa US$ 800 milhões de dólares em módulos para plataforma e possibilidade de chegar a US$ 1,2 bilhão. O Badesul continua com a garantia desse projeto. A empresa não faliu. Há uma discussão judicial. Foi posto que o Badesul tinha todo o seu crédito com garantia real. Depois, veio o projeto da WindPower, trazida pela Eletrosul ao Estado. A Eletrosul tinha R$ 1,5 bilhão em contratos com a WinPower Energy para fazer os parques eólicos de Santa Vitória do Palmar e Chuí. Havia o propósito de fazer um cluster eólico no Rio Grande do Sul porque o custo logístico no setor eólico impacta muito. Eles tinham uma planta em Pernambuco. Fizeram uma avaliação e perceberam que, com os projetos no Sul, havia a justificativa de ter uma unidade de produção aqui. Foi analisado o projeto. Depois, foram nos reportando divergências com a Eletrobras até que a empresa teve dificuldades no Brasil. Mas o Badesul tem uma finança bancária do grupo na Argentina. Temos expectativa de que esse crédito seja honrado com o Badesul. Esses são os dois projetos de recuperação judicial de maior visibilidade desse período. No segundo semestre de 2014, depois da eleição, começou uma crise política e econômica, que se agravou de lá para cá.
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O grande volume de empresas em recuperação judicial é reflexo, então, da crise econômica e não de uma má avaliação de crédito?
O Badesul tem cinco sextos do quadro formados por profissionais concursados. São funcionários de carreira. As empresas que trabalham com o banco são tradicionais do Rio Grande do Sul, e os processos de recuperação são públicos.O Badesul tem mais de R$ 600 milhões de colchão de liquidez e mais e o chamado Índice de Basileia acima de 14. Não sei qual foi a última nota que a Austin Ratings deu para o Badesul. Lembro que no início de 2015, quando terminou nossa gestão, o rating foi A-, que é bom. Acho que há um descompasso entre as avaliações de BNDES e Austin. Acho que o BNDES está pegando pesado. O BNDES pode ter vedado novas operações, mas não descredenciado o Badesul. O vínculo continuará por oito ou 10 anos. Acho isso meio drástico. Tenho certeza de que daqui a 10 dias veremos a notícia de que o BNDES vai rever sua posição.
O valor baixo do spread bancário (diferença entre o custo de captação e de concessão de empréstimos) não prejudicou a saúde financeira do banco?
Em 2003, o BNDES desembolsava R$ 35 bilhões. Em 2014, chegou a quase R$ 200 bilhões. O Badesul andava na linha do governo do Estado, de que o RS só sairia da crise crescendo. Passamos a fazer a tradução de investimentos. Negociamos com chineses. Trabalhamos para uma política endógena de investimentos. Acompanhamos a política de que o crédito é um fator fundamental. Em 2012, a taxa Selic caiu para 7,25%. Houve uma pressão do governo federal sobre o Banco do Brasil e a Caixa para que os spreads fossem caindo. Teve um movimento do mercado para que fossem caindo. Não foi o Badesul que derrubou os spreads. Houve toda uma política.
Mas desde o primeiro semestre de 2014, o banco vem tendo prejuízos.
No prejuízo de R$ 21 milhões do semestre, há R$ 8 milhões em passivos trabalhistas. Tivemos que provisionar R$ 50 milhões de passivos trabalhistas, mais o passivo previdenciário da Fundação Banrisul. Se olharmos os dados, tivemos duas ou três recuperações judiciais. As outras vieram depois. Não importa se os créditos foram providenciados lá atrás. Houve todo um rito de avaliação de créditos.
O Badesul não fez uma avaliação errada das empresas para que estava emprestando?
Acho que não houve erro na avaliação dos créditos. Quando concedemos os créditos, as empresas estavam em crescimento.
Sem dúvida, a crise brasileira afetou o desempenho das empresas. Mas o BRDE, o outro banco de fomento presente no RS, vem tendo lucro significativo. Isso se dá por que eles teriam adotado uma estratégia mais adequada que o Badesul?
O BRDE tem operação nos três Estados do Sul. Esse fenômeno das recuperações é mais intenso aqui do que no Paraná. Pelo que me recordo, o RS tinha o menor volume de operações do BRDE.
A decisão do BNDES foi injusta?
Não há sustentação técnica para o BNDES fazer isso com o Badesul. Acho que as empresas em recuperação judicial vão retomar as operações. Não havia bola de cristal para saber que haveria uma recessão como a da economia brasileira. Uma empresa com spread baixo e problemas trabalhistas sofre impactos. Chegamos até a contratar na nossa época um escritório de advocacia para atuar nessas ações. Não acredito que o BNDES manterá a mesma posição, em função dos indicadores. O BRDE pode dar um engessamento enorme. Acho que tanto o BRDE quanto o Badesul devem ser mantidos. O Badesul tem colchão de liquidez e um conjunto de créditos positivos, com grandes projetos. Fizemos um esforço enorme para apoiar a economia. Tudo isso foi feito por toda a equipe da casa, com avaliações. Houve projetos que permaneceram com a crise. Houve muita coisa boa que fizemos. Mais de mil projetos foram aprovados nos quatro anos, com 80% voltados para micro e pequenas empresas. Fizemos uma transição muito tranquila para a atual gestão do banco. O pessoal está fazendo o que nós faríamos diante da retração da economia.