O prazo está se encerrando. Em pouco mais de um mês – em 31 de outubro –, esgota-se o período dado pelo governo federal para os brasileiros trazerem de forma lícita para o Brasil recursos e bens que estão no Exterior.
A medida atinge valores não regularizados até o fim de 2014. Vários pontos da lei ainda suscitam dúvidas, não só de contribuintes, mas também de quem trabalha com o tema. Especialista em direito tributário internacional, o advogado César Moreno avisa: não é bom deixar para última hora.
– Há muito trabalho para reunir a base de cálculo, e até para contribuintes discutirem com advogados a melhor estratégia. É o momento mais adequado para repatriar os recursos. Está cada vez mais difícil manter uma conta no Exterior não declarada devido ao aumento de ações contra a prática, embasadas em acordos de troca de dados entre países – afirma.
Leia mais
Dificuldade de ocultar recursos no Exterior aumentará, diz advogado
Os paraísos descobertos
A meta do Ministério da Fazenda é repatriar US$ 20 bilhões por meio da lei. A projeção inicial era bem mais robusta, US$ 100 bilhões.
– A adesão foi menor do que a esperada, mas aumentou bastante em razão do fim do prazo – diz Moreno.
Confira os principais trechos da entrevista:
O que é a Lei de Repatriação?
A Lei de Repatriação permite que o patrimônio de brasileiros no Exterior ainda não declarado seja regularizado. A medida busca viabilizar o pagamento de um imposto único, com a multa única, que se anistia ao tributo devido até 31 de dezembro de 2014, e também eventuais formalidades não cumpridas.
O Brasil vem assinando vários tratados para troca de informações no âmbito da administração de tributos. O país começa a intercambiar os dados com os estrangeiros com aplicações financeiras no Brasil e recebe do Exterior informações dos brasileiros. Essa lei entra em vigor nesse contexto: permitir que o brasileiro regularize sua situação perante a Receita Federal e o Banco Central. Com isso, ele paga uma carga tributária menor do que seria devida se ele fizesse uma denúncia espontânea, do jeito que existia antes da regularização, e evita problemas penais.
É possível medir a vantagem para trazer os recursos com a nova lei?
É possível, mas sem muita precisão. Esse benefício tem um corte no tempo porque são regularizados os recursos até 31 de dezembro de 2014. De 2015 para frente, tudo é tributado normalmente, só há o benefício da divulgação espontânea, que é a exclusão da multa. Até 2014, há uma redução considerada, com uma carga aproximada de 30%, porque a taxa de câmbio usada como referência é a de 31 de dezembro de 2014.
Na comparação com o atual patamar do dólar, traz a equação para mais ou menos 25%. Se o contribuinte apresentasse espontaneamente a sua declaração, a conta ficaria mais salgada, porque só o imposto é de 27,5%. Nos últimos cinco anos, com a Selic acumulada, daria mais do que isso, em uma situação de declaração espontânea. Se o Fisco autua uma pessoa, a conta fica bem mais salgada.
Há riscos ainda não conhecidos nesse processo?
Riscos, não, mas existem interrogações porque há pontos da lei que não estão muitos claros. Uma dúvida recorrente é a questão: "se regularizar, vou ser identificado como mau contribuinte e ter acompanhamento mais severo?". A resposta é não.
A lei prevê a possibilidade de o contribuinte fazer o pagamento do imposto que esteja em atraso ou não declarado corretamente e não pagar multa desde que o faça de maneira espontânea. Fora isso, há a questão dos vários programas de recuperação que o governo vem concedendo ao longo dos anos, em que o contribuinte não ganha a fama de mau pagador.
A outra dúvida bastante comum é a base de cálculo desse imposto que tem que ser paga para a regularização. Do jeito que está escrito na lei, está claro que é uma base de cálculo presumida em 31 de dezembro de 2014.
A própria lei prevê estender o benefício para quando não tivesse mais o patrimônio. Ou seja, o patrimônio foi consumido, perdido ou o dinheiro gasto. Nesses casos, a legislação diz que é preciso declarar a sua conduta, o que foi feito e que estava errado. A dúvida maior está aí. A Receita Federal já manifestou entendimento no sentido de que o valor tributado será sobre o que contribuinte teve no passado. Isso ainda não está muito claro na legislação.
Quanto tempo é necessário para realizar a repatriação?
Esse é um ponto interessante. O contribuinte acha que é algo rápido e fácil. O problema é que é preciso ter uma base de informações correta, porque essa declaração não pode ser retificada depois de 31 depois de outubro. Há muito trabalho para reunir a base de cálculo antes, e até para o contribuinte discutir com seus advogados qual é a melhor estratégia. Tudo isso leva tempo.
É preciso ter uma documentação de muito tempo atrás. Não é um processo fácil. Além disso, há dificuldades no mercado financeiro para se obter os dados de bancos do Exterior. Os bancos estrangeiros precisam repassar as informações. Temos notícias de que alguns bancos americanos se recusam a dar essa informação com base em emenda constitucional dos Estados Unidos. Instituições europeias têm dificuldade de entender os procedimentos.
Nesse processo, leva-se de duas a três semanas para conseguir os dados. Fora isso, há as offshores. São investimentos pessoais de que normalmente as pessoas físicas não têm o balanço, o que também é necessário. É importante juntar e guardar toda a documentação até 31 de outubro. Depois dessa data, pode haver problemas para a repatriação.
Existe a possibilidade de o prazo ser prorrogado?
Até agora, não se desenhou isso.
É melhor fazer a repatriação agora ou esperar?
É melhor fazer agora. Está cada vez mais difícil manter uma conta no Exterior com recursos não declarados. Os bancos se recusam a manter essas contas. Fora isso, há um segundo tratado celebrado pelo Brasil neste ano, que é o tratado multilateral, no modelo da OCDE, para compartilhamento de informações. Já foi assinado por mais de cem países, e muitos outros já se comprometeram a assiná-lo também. Tudo isso coopera para que os brasileiros aproveitem essa oportunidade.
O governo conseguirá cumprir a meta de repatriar US$ 100 bilhões?
A adesão foi menor do que a esperada, mas aumentou bastante em razão do fim do prazo. Os brasileiros esperaram até o último momento. Essa expectativa do governo vem sendo colocada para baixo. Acho que a meta revisada de US$ 20 bilhões será atingida.
É uma meta tímida em relação ao volume total de US$ 600 bilhões?
Sim. Outro ponto de reclamação é a carga tributária que acaba sendo elevada. Há brasileiros com recursos em montante muito grande que não querem aderir à repatriação.