O desastroso início da discussão sobre a intenção do governo de propor uma reforma trabalhista deve levar ao adiamento da iniciativa para 2017 – antes havia a intenção de encaminhar um projeto até o final do ano. Para um debate mais produtivo, a coluna ouviu duas referências no tema.
José Pastore, professor da USP, estuda relações de trabalho, emprego e recursos humanos desde a década de 1960 e é um antigo crítico do engessamento da legislação trabalhista. Claudio Dedecca é professor com especialização na área de economia social e do trabalho da Unicamp, considerada um polo de formação de dirigentes sindicais.
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Apesar de visões diferentes, os dois têm mais pontos em comum do que supõem as reações extremadas à polêmica discussão sobre jornadas diárias de 12 horas. Pastore costuma advogar que a crise em que o Brasil está mergulhado é uma oportunidade para rever a legislação disfuncional sobre o trabalho e, especialmente, o papel legislador que a Justiça do Trabalho acabou assumindo. Dedecca avalia que o debate é marcado por “ignorância” e lembra que só dois países fizeram reformas trabalhistas recentes, ambos em condições excepcionais: o Chile em 1973, no início da ditadura militar, e a Espanha no sentido contrário, na saída do franquismo para a redemocratização.
O Brasil precisa fazer uma reforma trabalhista?
Pastore – Precisa.
Dedecca – É necessário fazer alterações do ponto de vista da regulação do mercado de trabalho. Agora, o modo como isso poderá ser realizado é muito diverso.
Por que a reforma é necessária?
Pastore – Os empregadores estão com medo de contratar porque a legislação é muito complexa, e gerar emprego se tornou muito caro.
Dedecca – Nosso sistema de regulação do mercado de trabalho valoriza pouco a relação entre empregados e empregadores. Seria importante fazer alterações sem que a proteção ao trabalho fosse ferida.
Na mudança, o que deve ser prioritário?
Pastore – Em primeiro lugar, o que é negociado entre as partes deve valer tanto quanto a lei, não se sobrepor. Essa diferença é importante porque, assim, a lei é mantida e garantida. Permite às partes negociar o que for mais conveniente e testar. Se acharem que fizeram besteira, voltam aos termos da lei.
Dedecca – Num primeiro momento, tornar obrigatória a negociação coletiva e impedindo comportamentos que desvalorizem a outra parte. Depois que tivermos a negociação coletiva devidamente desenvolvida no Brasil, só aí pensar em alteração na legislação existente. Antes, é preciso garantir que a relação capital e trabalho seja equilibrada, o que hoje não ocorre.
O trabalhador brasileiro é superprotegido ou subprotegido?
Pastore – Nem um, nem outro. É desamparado. Tem proteção previdenciária e trabalhista atrelada ao emprego. Se o trabalhador perde o emprego, perde a proteção. Se sai do emprego, fica por conta própria.
Dedecca – Não é muito protegido, porque no Brasil temos uma rotatividade enorme e uma informalidade também elevada. A questão não é se o trabalhador é súper ou subprotegido, mas como podemos construir um regime de proteção ao trabalho eficaz para o trabalhador e também eficaz do ponto de vista econômico. É por isso que deveríamos começar com o desenvolvimento da negociação coletiva.
A discussão da duração de jornada ajudou ou atrapalhou?
Pastore – Mais atrapalhou, porque não foi bem explicada. O que deveria ter sido explicado é que hoje a legislação só permite fazer duas horas extras ao dia sobre as oito horas regulares. A mudança permitiria, para quem quiser, fazer até quatro a mais por dia, o que não quer dizer todos os dias.
Dedecca – Foi uma verdadeira loucura. Seria inclusive atentar contra a tendência internacional e contra as recomendações da Organização Mundial do Trabalho. Não acredito que o problema hoje no Brasil decorre do tamanho da jornada de trabalho. Há outros problemas maiores quanto ao comprometimento na realização da atividade produtiva com qualidade.