Bruna bateu na porta sem pensar. Se pensasse, nem ao menos viria. Não saberia dizer o que quer. Alice abriu a porta. Quando vê Bruna, sente uma emoção que não encontra palavras.
O ódio que seria esperado, frente à audácia da prima, não chegou. O luto lhe drenava as outras emoções. O automatismo da cortesia decidiu o impasse de quem não sabia o que fazer. Alice convidou Bruna para entrar.
Alice olhou para Bruna com pena. Mesmo dando-se conta que era um pensamento mesquinho, sentiu-se privilegiada. O finado lhe deixou um filho, uma pensão, uma casa. Bruna só possuía lembranças sem lastro e a corrosão de um luto mudo. Ela estava condenada ao silêncio, a família jamais a perdoaria se soubesse do caso com o falecido.
Nenhuma conseguia romper o silêncio. Perdiam a oportunidade de se perguntar por que amaram, e hoje choram, por um homem que valia menos do que elas. A morte rasgou o véu de mentiras e manipulações que ele fizera a ambas.
Alice lembrou de uma foto. A única explicação para ela não ter sido rasgada seria que o destino a requisitou para ser usada nesse momento. Era uma foto de um Natal, antes de tudo acontecer. A única foto que sobrou onde os dois aparecem juntos. Sem dizer palavra, Alice foi para o quarto e voltou com a foto na mão.
Depois de receber a foto, que segurava como um tesouro, Bruna rompeu o silêncio agradecendo. Entre lágrimas, diz mais uma palavra: desculpa. Alice nada diz.
Bruna não esperava o perdão, mas precisava pedir. Todas as boas memórias, as festas, as confidências, dos anos em que as primas passaram o verão juntas na praia, viraram areia. Cada festa de família é um constrangimento secreto para ambas.
As duas perderiam se o segredo vazasse. Além do embaraço público, do orgulho ferido, Alice queria que o filho tivesse apenas as memórias de um pai dedicado.
Bruna levanta-se para sair. Alice a acompanha. Na porta, Bruna consegue dizer o que mais lhe dói.
— A traída sou eu. Ele não me amava.
— Se ele me amasse não teria feito o que fez — responde Alice.
A eletricidade da proximidade dos corpos pedia um abraço. Seria a solidariedade entre duas vítimas de um armadilha amorosa que as transcende. Mas ainda é cedo para este gesto.