Um dos dramas da infância é descobrir que nossos pais são comuns. No melhor dos casos, pois às vezes são frágeis, uns pedacinhos de gente, ou francamente problemáticos. Para crescer, precisamos nos sentir protegidos. Para tanto, vemos nossos cuidadores como grandiosos, as melhores e mais corretas pessoas do mundo.
A queda desse ideal necessário ao crescimento é duríssima. Tanto que a maioria nunca conseguirá enxergar os pais como são. Para não sentir a impotência inerente à condição humana, alguns mantêm viva a idealização infantil.
A chave para compreender essa resistência a crescer – reconhecendo-se como órfão de seres superiores – é o desamparo. Dói saber-se guacho, estar sem proteção divina ou terrena. Isso vale para todos. Quando suspeitamos da fragilidade do nosso totem, atacamos os que não creem nele, para reafirmar nossa fé.
O preço dessa operação de negação é a infantilização, pelo menos em alguns aspectos da realidade. Outra possibilidade, dentro dessa mesma estratégia, é encontrar um substituto para a autoridade de que o sujeito necessita. Algo como uma paternidade estepe para ser amada, reverenciada e pensar por ele.
Geralmente o herdeiro da autoridade dos pais vem pela religião, ou então pela política. Por isso, nesses casos, qualquer argumento lógico que a coloque em questão é destituído de sentido. Afinal, é uma lógica passional que se arma. O sujeito não está defendendo um político ou um pastor que lhe entregam uma solidez de que a vida carece, mas a seus pais da infância. Nesses casos, vai torcer a realidade para que seus amados eleitos sigam sendo probos e capazes, mesmo que sejam notórios canalhas e incompetentes. Neste sentido, política é paixão.
Tudo se resume a: “Meu pai é melhor do que o teu”. Teu pai é uma farsa e o meu é o verdadeiro. Os mais frágeis são os mais fiéis seguidores de um mestre imaginário. Compreender as raízes do medo uns dos outros, uns mais, outros menos, nos ajudará a crescer como sociedade. O medo sempre desperta nosso lado mais arcaico e irracional.
Por sorte não fica assim para sempre. Como disse Phillip K. Dick: “A realidade é aquilo que, quando você para de acreditar, não desaparece”. A realidade, quando menos esperamos, irrompe e desnuda irremediavelmente nossos ídolos. É quando ficamos adultos no susto.