A Igreja Católica enfrenta uma crise pela demora em agir em defesa de fiéis abusados. Sem delongas, assunto conhecido de todos. O que pouco se fala é que no Brasil o número de pastores evangélicos denunciados já igualou o de padres.
Em outro quadrante, o Dalai Lama, recentemente, reconheceu que sabe de abusos entre os seus e prometeu agir. Veremos.
Este ano foi duro para Maury Rodrigues da Cruz, presidente da Sociedade Brasileira de Estudos Espíritas. Foi denunciado por abuso e estelionato. As vítimas eram adolescentes quando ocorreram os ataques e, hoje adultos, deram depoimentos para ações que correm em segredo de Justiça.
Quem também deu explicações em 2018 foi Sri Prem Baba, guru que tem sua sede e a maioria de seus seguidores em São Paulo. Mesmo padrão, acusado de abusar de suas discípulas em momentos de vulnerabilidade.
Para fechar o ano, a bola da vez é João de Deus, o médium mais famoso do Brasil. A cidade de Abadiânia em Goiás vive de sua fama. Chegam pessoas do mundo todo em busca de curas para as mais variadas enfermidades. Depois de uma reportagem denunciando abusos, uma enxurrada de novos depoimentos de mulheres deixa pouca dúvida sobre João de Deus ter seus momentos nada santos.
Reúno esses casos para dizer por que não me surpreendo. O equívoco comum é atribuir às pessoas espiritualizadas uma moralidade superior à média. A suposta aproximação com Deus, ou qualquer transcendência, os deixaria melhores no quesito ética sexual. Nada disso.
Seu agir é pior do que o de um homem comum, pois a questão não é exercer sua sexualidade, mas usar da posição de poder. Dizem ser mediadores do sagrado para aproveitar-se de pessoas emocionalmente frágeis. Lobo em pele de ovelha deve receber castigo dobrado, pois ataca quem pede proteção.
Não existe fé, ideologia ou profissão à prova de predadores sexuais. No mundo laico é exatamente a mesma coisa. Médicos como Roger Abdelmassih estão aí para provar. A universidade e o mundo psi, que conheço bem, também têm seus casos.
Existem pessoas decentes, mas elas assim o são pela educação que tiveram, pelo caráter que forjaram, não porque estudaram mais ou porque estariam mais próximas de Deus. Os predadores sexuais podem estar em qualquer lugar, em qualquer instituição, mas sempre farejam a desproteção das vítimas.
Este tempo de denúncias me deixa aliviado. Abuso é sempre traumático. Nós, terapeutas, acostumados às difíceis cicatrizações de feridas psíquicas, sabemos que isso sempre houve. Apenas agora as vítimas estão tomando coragem. Talvez, graças a isso, rumemos para um tempo menos ingênuo. Será comum saber que os gurus são de carne, osso e sexo, como todos, portanto sujeitos às mesmas leis: prontos para o sublime ou para a vilania.