– Pode parar! Tu não vai sair assim. Mas não vai mesmo.
– Mas mãe...
– Nem vem, vai botar uma roupa decente. Gasto um dinheirão para te dar do bom e do melhor. Não vai sair esculachado.
– Não precisa porque...
– Precisa. Parece um mendigo. O que os vizinhos vão dizer?
– É que...
– Desse jeito molambento o Samu nem recolhe. Vão te deixar na sarjeta sangrando. Ninguém dá bola para sem teto meu filho. Tu não quer ver a crueldade do mundo, mas é assim que é. Aceita que eu já vivi mais.
– Sim, mas...
– Tá com documento? Sim ou não?
– Não, porque...
– Quer ser enterrado como indigente? Tu acha que a polícia gasta tempo procurando família de lazarento miserável? Quer que eu passe o resto da minha vida procurando teu corpo?
– Mas mãe...
– Eu não estou te consultando. Estou mandando. Pega um documentos já. Tem algum dinheiro no bolso? O do ladrão, para não levar um tiro.
– Eu só vou...
– Não tem "só", vocês jovens não pensam no que pode acontecer. Não vê na TV, é só estropício na rua. Põe no bolso tua mesada. Quer levar uma facada só por não ter dinheiro? Depois vamos ter que vender a casa para pagar o hospital.
– Eu sei mãe, mas...
– Vocês nunca me escutam. Quero ver quando eu não tiver aqui para alertar. Depois que eu me for vocês vão me dar valor.
– Mãe, escuta...
– Tem bateria no celular, ou vou ter que ligar para os teus amigos?
– Tenho, mas...
– Podes ao menos dizer para tua mãe onde vai essa hora que só tem maconheiro na rua?
– Eu só vou...
– Tu é igual teu pai. Sai sem dizer para onde. Foram vinte anos sem nunca dar nenhuma satisfação para esta trouxa aqui. Sabes o que são vinte anos?
– Sei, mas...
– E pega uma mochila para por tuas coisas. O que é esta sacola de super na tua mão? Meu filho, é muita chinelagem sair assim. Sabes o que parece que leva? Um saco de lixo.
– E É LIXO! AQUELE QUE ME PEDISTES PARA LEVAR PARA RUA.
– Precisa gritar com a tua mãe?