O presente nos brindou com uma dádiva acompanhada de um problema: nunca vivemos tanto. Sempre houve longevos, mas passar do 80 não é mais uma façanha. Temos muito a comemorar, porém ainda estamos em uma fase de transição. Não sabíamos que isso iria ocorrer, pelo menos não dessa maneira.
Os octogenários de hoje não se prepararam para viver mais do que seus pais, pouparam pouco para as demandas que surgiram. Além disso, a medicina melhorou, logo, encareceu. Mais vida, mais problemas a contornar e mais investimentos a fazer. Para complicar, evoluímos melhor em prolongar a duração dos corpos do que das mentes, boa parte desses idosos não tem condições de autonomia.
Quem, como eu, trabalha escutando pessoas, acaba sabendo dos labirintos financeiros dessa nova condição. Não é algo que se goste de falar em público, pois todo filho teme ser tachado de ingrato ou egoísta. Afinal, nascemos já endividados pela vida e pelos cuidados que recebemos. Parece natural retribuir aos pais. Outrora, seguir adiante com o legado de memórias e valores era a melhor gratidão que um filho poderia ter.
Mas como olhar para a frente se o passado torna-se um fardo pesado demais? São muitos os pais necessitados de que os filhos socorram essa longevidade imprevista. Isso provavelmente impactará no que eles vão guardar para sua própria velhice, que pode ir aos 90. São naturais os constrangimentos de parte a parte, elevando a tensão entre as gerações. Quando sobra, não é grande problema, mas quando falta...
Esse tema inquietante assombrou as discussões sobre a reforma da Previdência. É fato que há injustiças absurdas, sei da premência do descanso, principalmente para aqueles que fazem trabalhos insalubres ou com risco de vida. Quanto aos outros, como manter um planejamento feito para o século passado frente a essa longevidade? O cobertor tornou-se mais curto: se uma nação que não cuida de seus velhos não é digna, quem não aposta nas crianças não cria futuro. O que escolher?
Temos dificuldade em entender que, se ganhamos um bônus de tempo de vida, precisaremos nos abastecer para ele. Do contrário, quem pagaria? De algumas pessoas ouço um raciocínio que parece oriundo da posição infantil que é pensar eternamente como filho: os recursos são ilimitados, papai pode tudo. Acrescente a isso um pensamento adolescente: não vamos nos estressar, quando acontecer a gente vê. Pois bem, já está acontecendo.
Vamos encarar, o tempo de ser adulto produtivo vai ter que se ampliar um pouco também. Afinal, se não acordarmos para o fato de que é preciso investir mais, visto que viveremos mais, corremos o sério risco de odiar a quem deveríamos respeitar. Ou, ainda, trabalhar uma vida e ter que engolir a humilhação de aceitar dos filhos aquilo que poderia ir para os netos.