* Sociólogo e jornalista
A série exibida pela Netflix, Thirteen Reasons Why (Treze motivos) e os temas por ela suscitados, especialmente o bullying nas escolas e o suicídio de adolescentes, foram debatidos essa semana em encontro na Câmara de Porto Alegre promovido pelo vereador Mauro Zacher (PDT). Integrei o painel, mediado pelo secretário municipal de Educação Adriano Naves de Brito, com o psiquiatra Ricardo Nogueira e a psicóloga Carmen Oliveira. O tema, de fato, merece ser debatido e seria importante que os gestores públicos tomassem as medidas necessárias para políticas antibullying nas escolas e para planos de prevenção ao suicídio. É necessário diagnosticar em cada escola as dinâmicas de humilhação e violência, viabilizando planos específicos de prevenção, porque essas dinâmicas são variadas e não há receita genérica. Os estudos de autorrelato (self-report studies), que permitem esses diagnósticos podem, também, medir ideações suicidas e são essenciais para que se conheça verdadeiramente o clima escolar.
O suicídio é, tradicionalmente, um tema não comentado. O silêncio possui raízes religiosas, mas é mantido também pelo receio de que a inadequada exposição pública funcione como "gatilho", deflagrando o "Efeito Werther", menção ao fenômeno da onda de suicídios após o desfecho do romance epistolar de Goethe, de 1774, O Sofrimento do Jovem Werther, marco inicial do romantismo. As evidências científicas comprovam que os riscos de "suicídios em cluster" são, de fato, muito reais. Recente estudo epidemiológico da Universidade de Colúmbia (NY) – Newspaper coverage of suicide and initiation of suicide clusters in teenagers in the USA, 1988-96 – por exemplo, mostrou forte correlação entre a publicação de reportagens em jornais sobre casos de suicídio e o aumento das taxas de suicídio entre adolescentes (GOLD, et al, 2014).
No contexto desses riscos, a série Thirteen Reasons Why não deveria ter gravado a cena realista do suicídio da personagem Hannah Baker. Igualmente perigosa é a estrutura narrativa onde o suicídio, ao invés de ser, como toda a morte, o fim, é apresentado como o começo e como um caminho para que a verdade e a justiça triunfem. Por outro lado, a série trabalha com maestria o tema, quase sempre invisível, do sofrimento moral que atinge adolescentes vítimas de bullying, demonstrando como eventos corriqueiros de humilhação podem ser destrutivos. Mais do que isso, a história denuncia, de forma dramática, o que se tem identificado como "cultura do estupro", um tema que segue sendo tratado com desprezo e condescendência no Brasil e em muitos países. Por conta disso, pais de adolescentes e professores terão muito a ganhar se assistirem aos 13 episódios da série.
O debate sobre o suicídio, em particular, tende a mudar por conta do acesso dos jovens à informações maliciosas que circulam nas redes sociais, chats e em inúmeros sites, o que agrava o quadro de forma impressionante. O professor Rory O'Connor, da Universidade de Glasgow, presidente da Academia Internacional de Pesquisas sobre Suicídio, chamou a atenção para o problema, revelando, em entrevista à revista The Lancet Psychiatry, que 20% dos adolescentes que se engajam em comportamentos autolesivos são estimulados a isso pela internet. Mais uma razão para que falemos sobre casos como o de Hannah Baker e para que pais e professores estejam aptos a fazê-lo.
O Brasil possui taxas de suicídio menores do que a maioria dos países desenvolvidos, mas o problema tem se agravado entre os jovens. Entre 2002 e 2014, a taxa de suicídios na população de 15 a 29 anos cresceu de 5,1 por 100 mil habitantes para 5,6, o que significa um aumento de quase 10%. O RS tem as maiores taxas de suicídios entre os estados brasileiros (10,4/100 mil habitantes), mais do que o dobro da média nacional. A cada ano, aproximadamente mil pessoas se matam no Estado, com destaque para a região do Vale do Rio Pardo, onde há uma das maiores taxas de suicídio do mundo, e para Porto Alegre, sempre entre as primeiras posições no ranking de suicídios nas capitais. Uma situação que reforça a importância da prevenção, destacando o papel de instituições como Centro de Valorização da Vida (CVV), que recebe chamadas gratuitas de pessoas que precisam de ajuda por conta de ideação suicida pelo número 188.
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