A grande maioria das pessoas possui, por bons e maus motivos, uma imagem nada lisonjeira a respeito dos políticos. O fenômeno parece ser universal, o que sugere algo mais complexo do que uma simples visão crítica sobre governantes e parlamentares. É possível que as sociedades contemporâneas tenham construído uma escala de valores tão radicalmente centrada em objetivos privados, que a própria esfera pública apareça como um planeta estranho para muitos. Essa distância seria fortemente pronunciada em países com frágil tradição democrática e baixo patamar civilizacional, como o Brasil. Pela hipótese, a ojeriza aos políticos indicaria mais do que a repulsa à corrupção ou à incompetência, expressando, sobretudo, uma incompreensão básica sobre o significado de conceitos como "bem comum" e "coisa pública", entre tantos.
Parece claro, não obstante, que a tradição criou no Brasil também um determinado paradigma de político. Refiro-me à figura que evoca o tipo dominante, com características muito particulares, desconsiderando as exceções e os políticos sérios que restam. O "político-padrão" brasileiro, à direita e à esquerda, é, inicialmente, um homem branco de uniforme que fala sobre muitas coisas sobre as quais pouco ou nada conhece. Em regra, ele possui origens humildes, mas muitos amealham patrimônios extraordinários em poucos anos de mandatos, registrando seus bens em nome de "laranjas". O que move esse modelo não é uma missão pública, ou sequer uma ideologia. A conduta do político-padrão está centrada no objetivo particularíssimo da sobrevivência. Assim, desenvolve um sexto sentido pelo qual intui os movimentos que lhe podem render votos. Com a mesma sagacidade, foge como o diabo da cruz das iniciativas capazes de lhe causar dissabores eleitorais.
O modelito envolve a habilidade, aprimorada por anos, de se esquivar de compromissos e de opiniões sobre temas polêmicos. O político-padrão tem diferentes discursos, a depender do público a que se dirige. Seus compromissos efetivos são escusos e, para que prosperem, é preciso encobri-los com palavras. Ele sente as tendências da opinião pública e cuida para não contrastá-las. Se o preconceito for mobilizador, ele o reproduzirá; se a mentira ajudar, será sua aliada. Se os ventos mudarem, redefinirá seu rumo sem constrangimento. Na oposição, diz "a"; no governo, "não a". De volta à oposição, dirá "a" outra vez. O político-padrão tergiversa tanto e tão naturalmente, que é como uma esfinge. O nosso desafio, entretanto, é o inverso daquele de Édipo: aqui, quando deciframos a esfinge, a devoramos.
O Brasil possui os políticos que tem porque a esfinge segue impávido colosso. Com a metáfora, indico nosso sistema eleitoral e suas regras. A fábrica do político-padrão está ali. É essa unidade que produz em série os garbosos e engravatados integrantes do lumpesinato político que se apropria do poder público para proveito dos seus. É ela que leva aos governos senhores como Nogueira Neto, ministro do Trabalho, que conseguiu, nesta semana, impedir a divulgação da lista de empregadores de mão de obra análoga à escrava. A ação, movida pela AGU, foi aceita pelo senhor Ives Gandra Martins Filho, que preside o TST para desventura do Direito Trabalhista.
É o sistema eleitoral brasileiro que promove a despolitização generalizada – a partir do voto nominal e não em listas partidárias; que degrada nossas instituições pela necessidade de formação de bases parlamentares na base do toma lá dá cá e que impede o debate qualificado que pode nutrir a democracia. Essa máquina de moer a inteligência e a decência nos legou a miséria da agenda política e a inclinação persistente em favor do atraso. Os partidos políticos brasileiros e as principais lideranças nacionais – se é que se pode usar essa expressão – são vazios que se superlotam. O governo Temer é a expressão mais acabada disso, a começar por seu titular, que, como todos sabem, é um visitante do século 18 (se houver dúvida, confiram seu pronunciamento no dia 8 de março). Sim, mas se apenas o governo habitasse o deserto que asfixia, felizes sê-lo-íamos...
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