Era dia 31 de dezembro e eu estava na cozinha. Cortei bacon. Piquei alho, cebola. Na panela a lentilha já fervia com algumas folhas de louro. Preparei, como faço todos os anos, o prato principal para garantir um bom ano. Embora não tenha nada contra a lentilha, não abro mão de carregar no tempero pra que ela fique um pouco mais saborosa.
Ainda no mercado recebi a sugestão de uma dona de casa sobre qual marca preferir comprar para ter mais chance de ficar bem cremosa, daquelas que derretem na boca. Segui tudo à risca. E — como todos os anos — todos que comeram, elogiaram!
Comparando com a ceia de Natal eu, particularmente, acho esse cardápio de lentilha e carne de porco bem sem graça. Sou muito mais do peru, salpicão, panetones, uva-passa no arroz e por aí vai. Mesmo assim, esse ritual da lentilha é algo que eu faço com muito prazer. Mas apenas uma vez por ano.
No dia a dia sou apaixonado por feijão. Quem almoça comigo todos os dias no refeitório da TV me vê pegando arroz com feijão no prato e ainda enchendo uma cumbuquinha com um pouco mais de feijão puro, bem caldeado! Feijão tem personalidade, lentilha não.
Não vou aqui entrar nos detalhes nutricionais de um grão ou de outro. O meu interesse é apreciar como esse grão, de formato ímpar, e com várias cores me encanta todos os dias, sem eu nunca enjoar.
Eu gosto da textura dele. Mais ou menos cozido, não importa. Você já pensou se você morde ou não os grãos de feijão? Como é saboroso levar uma colherada de caldinho do feijão à boca? Fica pensando na quantidade de farrinha de mandioca que vai adicionar pra não ficar grosso demais? Comer feijão me aguça a curiosidade.
É um prato de energia pra minha criatividade. É um passeio à infância sempre que lembro de quando misturava miolo de pão em caldo de feijão. Eu ainda prefiro aquele bem preto, de preferência novo. Aquele caldo grossinho, no ponto.
Feijão, diferentemente da lentilha, fica bom até com pouco tempero. Uma cebolinha bem fritinha e sal já basta. Feijão é todos os outros dias do ano. É o prato de quem trabalha, corre atrás.
A lentilha, tadinha, é linda, redondinha, às vezes mais verdinha ou amarelinha e pode até servir de simpatia (que eu não sou doido de abandonar), mas ela nunca será feijão.