Vim morar em Porto Alegre, em outubro de 2018, e a primeira reação que tive foi ficar encantado com o Guaíba. O trecho 1 da Orla tinha recém sido inaugurado. Na primeira visita da minha família fiz questão de passar um sábado inteiro por ali.
O que sempre achei esquisito é o fato de a Capital ter ficado de costas para o Guaíba por tanto tempo. Ainda no fim de 2018, fiz uma reportagem para vibrar com a chegada do verão e para mostrar como os porto-alegrenses estavam felizes por reencontrarem o Guaíba. Tinha gente que estava descobrindo ou redescobrindo o pôr do sol mais bonito do mundo.
Por décadas a região da Orla tinha poucas opções. O anfiteatro até fez algum sucesso e levava multidões para ver shows ali. Lembro da capa de um álbum do Nenhum de Nós que eu escutava na adolescência. Via a imagem e achava aquele lugar incrível. Eu queria muito conhecer. Mas quando cheguei na cidade, o local estava caindo aos pedaços.
Fato é que eu peguei uma fase tão boa: a de recomeço. Logo depois veio o Embarcadero, o trecho 3 da Orla, o Pontal. Mas algo ainda não entrava na minha cabeça: qual motivo de a cidade ter ficado tantos anos longe disso tudo?
Os trilhos do trem, o muro, tudo parecia não ter sentido. Agora tem. E não estou falando só do muro e do sistema de contenção de água (que embora eficiente em setembro, agora não ajudou tanto). Mas agora eu sei, e entendo, o trauma da cidade em relação ao Guaíba.
A água inunda o centro de Porto Alegre e destrói os sonhos e a moradia de milhares de pessoas por toda Região Metropolitana. Sem falar na apreensão por vidas que possam ter sido perdidas aqui. Eu estou há cinco dias na cidade de Guaíba, sem poder voltar para casa. O Rio Grande do Sul está parado. As estradas bloqueadas, as pessoas com fome e gritando por socorro.
Hoje acordei e vi o sol nascer. Desse lado onde estou, vi o sol subir por Porto Alegre. O céu ficou dourado, o Guaíba hoje está um espelho d’água. Seria lindo em qualquer outra ocasião. O que isso significa, hoje, é que a água está represada aqui. Vai demorar a baixar.
Agora nem sei mais se ainda gosto do Guaíba. Vai demorar muito para ver beleza onde meus olhos enxergaram tanta destruição.