Nos primórdios da internet, a interatividade mudou o jornalismo para sempre ao transformar o trabalho das redações em uma via de duas mãos. O leitor, finalmente, ganhou voz imediata sobre o que jornalistas escreviam, e os jornalistas passaram a valorizar – às vezes com uma dose de sincera apreensão – o que seus leitores tinham a dizer.
Embora a interatividade tenha se multiplicado por todo o universo digital, uma progressiva tomada das seções de comentários online dos jornais por usuários dispostos a se ofender mutuamente e a despejar palavras de ódio e preconceito está alimentando uma reflexão ética em veículos de todo o mundo. Um estudo divulgado esta semana pelo Fórum Mundial de Editores (WEF), o qual tenho a honra de presidir, aponta uma tendência de jornais jogarem a toalha e fecharem as áreas de comentários, pela incapacidade de se controlar os tsunamis de ataques grotescos e virulentos.
No mundo ideal, os jornais deveriam ser o centro da conversação das comunidades, uma praça aberta a todos as manifestações do pensamento. Na vida real, muitas vezes os espaços se convertem em ringues de luta-livre, com infindáveis e por vezes sórdidas trocas de palavras destinadas a ofender, inibir ou calar opiniões contrárias, o que, no fundo, atenta contra a própria liberdade de expressão.
O estudo do WEF mostra que 60% dos veículos consultados mudaram recentemente os critérios para divulgação de comentários. Oito por cento tomaram a radical decisão de eliminar opiniões de usuários, entre os quais os três principais diários da África do Sul. Alguns jornais de grande porte, como The New York Times, se permitem a filtragem prévia dos comentários, apesar de autorizá-los em apenas 10% dos artigos e do desgaste de deletar em média 15% dos posts. A grande maioria, porém, entende que não faz sentido se destinar valiosos editores para a insana, e via de regra falha, missão de expurgar ofensas em meio a milhares de manifestações .
O fato é que, pela abundância de grosserias observadas nas redes sociais e pelo uso de robôs para propagar causas ou ofensas, os comentários mais agressivos estão perdendo atenção e relevância. As baixarias tendem a virar paisagem e abrem uma nova oportunidade para os veículos profissionais pairarem acima do pântano das redes: contribuir para o debate público ao estender para o mundo online a seletividade de talvez poucas, mas construtivas, diversas, inteligentes e perspicazes cartas dos leitores que há tantas décadas, antigamente apenas nas versões impressas, ajudam a fazer dos jornais porta-vozes de suas comunidades.