Imagine a cena. Um professor seguidor do bolsonarismo discorre sobre as virtudes do regime militar, ao qual chama de Momento Democrático de 64. Bem-falante, o professor dá sua versão aos alunos. Observa que foi com os militares no poder que o Brasil derrotou a inflação, que se ergueram grandes obras, como o Hospital de Clínicas, a Freeway e Itaipu, e diz que as pessoas, apesar do terrorismo de esquerda, viviam mais seguras e felizes. Nenhuma palavra sobre dívida externa, repressão política, censura ou tortura, a qual ele atribuiu a uma invenção da imprensa para macular o regime.
Quem acredita que a sala de aula seja uma franquia do professor para doutrinar crianças e adolescentes deve estar preparado para conviver pacificamente com o mestre imaginário acima, que estaria, segundo uma corrente de pensamento, apenas exercendo seu direito à livre manifestação. Em países onde a educação chegou a outro estágio, recrutar corações e mentes infanto-juvenis para um projeto político seria uma violação ética do educador. No Brasil, na ausência de códigos do gênero, um projeto do deputado federal tucano Izalci Lucas se soma a uma dezena de iniciativas estaduais na defesa da neutralidade ideológica, política e religiosa em colégios públicos, em um movimento conhecido como Escola sem Partido.
Tais projetos só germinam porque, no Brasil do Século 21, ainda se considera natural que agentes do Estado pagos pela sociedade despejem seu próprio menu ideológico, seja ele de esquerda ou de direita, sobre jovens que não têm outra opção a não ser estar ali, diante da autoridade de um professor. No lado desenvolvido do mundo, há uma clara distinção. Facebook e mesa de bar, onde adultos se encontram de forma voluntária, é uma coisa. Já o quadro-negro deve ser imune a partidarizações.
É desejável que escolas formem cidadãos conscientes e responsáveis, mas esse ideal pressupõe que ao estudante devem ser oferecidas diferentes versões de um fato. Sempre que o partido se intromete na lição, mata-se a pluralidade e distorce-se a missão de ensinar a pensar. Um caso rápido: no surto de liberdade que se seguiu ao esfarelamento da União Soviética, entrevistei uma professora de história em uma escola de Moscou. Ela estava atônita. Seus livros ainda apresentavam Marx e Lenin como semideuses da pátria socialista. De um dia para outro, eles já não eram mais heróis e nem URSS existia mais. Só restavam os livros e a confusão mental de professora e alunos que haviam sido manietados pela ideologia.
A história está repleta de episódios de uso do ensino para encabrestar cérebros e escolhas livres. No Estado Novo, estudantes eram instados a tecer loas diárias a Getúlio Vargas. Na antiga Alemanha Oriental, recrutavam-se pioneirinhos de lenço vermelho para se tornarem bons comunistas que dedurassem seus pais. Do Brasil getulista à Cortina de Ferro e até ao extremo atual das madrassas do talibã, a doutrinação na sala de aula sempre serviu de combustível para facções e regimes autoritários e liberticidas em geral.
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