Apesar da sensação de fim de mundo, quem conhece os meandros de Brasília sabe que esta é a hora de evitar atos tresloucados e preservar biografias. Com a história sendo escrita em tempo real na Praça dos Três Poderes, os mais experientes driblam armadilhas e rasteiras e procuram rechear seus testamentos políticos com gestos e palavras que não venham a envergonhar seus sucessores.
A presidente Dilma, por exemplo, há tempos deixou de justificar o fracasso de sua gestão para tentar criar um enredo para a posteridade. A versão do golpe é, sem dúvida, a que mais convém à presidente. Primeiro, não requer muitas explicações, sobretudo as mais inconvenientes, como a de ter sido a principal ministra de um governo enredado em denúncias de corrupção e na sangria da maior empresa pública do país, além de ter escondido que praticamente quebrara o país para que pudesse se reeleger presidente. Em segundo, o roteiro de mulher honesta e injustiçada, derrubada por um complô obscuro, é muito apropriado para os livros e para sua imagem no Exterior.
É por essa imagem - ou melhor, pelas imagens que serão geradas - que Dilma e assessores cogitam um último ato grandiloquente para a quinta-feira. Fernando Collor fez questão de deixar o palácio de cabeça erguida e de mãos dadas com a mulher Rosane, mas sumiu em um helicóptero nos fundos do Planalto para só ressurgir na penumbra da biblioteca da Casa da Dinda. O script em gestação para o pós-impeachment de Dilma prevê uma epopeica descida da rampa acompanhada pelos aliados mais fiéis e por líderes de movimentos sociais rumo aos braços de uma multidão na praça. As fotos e os vídeos nas redes substituirão os contextos dos analistas.
A preocupação com a imagem também está na origem do recuo de Temer sobre o número de ministérios e na decisão de Renan Calheiros de não embarcar na canoa furada da suspensão do impeachment. Como se já não tivesse problemas suficientes com a Justiça e a História, Calheiros evitou subscrever uma das muitas "manhas e artimanhas" desta conjuntura tão bem descritas pela própria Dilma em uma das solenidades-comício no Planalto. Só quem não pensou na própria biografia foi o aprendiz Waldir Maranhão, que do nada veio e para o nada voltará depois de produzir um monte de nada em Brasília.
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