Diz o Houaiss que gradiente é, num primeiro sentido, variação gradativa de uma propriedade, física ou química diz ele, cultural e ideológica digo eu, que quero introduzir uma singela ideia teórica sobre a crítica literária: em vez de pensar em polos opostos, em claro versus escuro como coisas cem por cento opostas, penso que entre os dois polos há um amplo gradiente, uma imensa variedade de posições intermediárias entre um e outro.
Essa ideia se associa com uma intuição do grande Walter Benjamin, que em certo momento falou que o ideal do historiador (ou do crítico da literatura, da cultura) seria obter uma "dialética em paralisia", quer dizer, uma fotografia, uma reconstituição histórica das tensões, uma reportagem sobre certo tema e tempo, em que fosse possível considerar uma série de tensões – entre capital e trabalho, entre tradicionalismo e renovação, entre privado e público, entre duas linguagens ou dicções, entre campo e cidade, entre um indivíduo e outro, entre duas tecnologias, entre saúde e doença, cada uma delas e todas elas colocadas num hipotético diagrama – e em cada uma delas posicionar aquela obra particular.
O resultado daquele quadro poderia representar, digamos, Memórias Póstumas de Brás Cubas, ou O Mulato, ou um poema parnasiano, ou um manifesto antiescravista de um partido político. Claro que se trata de coisas muito desiguais e talvez a rigor incomparáveis, mas o interessante da hipótese será considerar o quadro todo – e considerar que entre aquelas várias linhas há infinitas possibilidades de resultado, conforme o ponto em que se localize aquele texto específico, que vai estar mais ou menos perto de tal ou de qual ponta, em cada uma das linhas de tensão, conforme o caso.
Essa imagem, para mim, é uma forma de exorcizar os dualismos triviais (que aliás eram tema constante dessa época do final do século 19, como se vê nas dicotomias machadianas e numa série de poemas bem construídos, pensamentosos e banais de Bilac, incluindo um que se chama, justamente, Dualismo).
Quem pensa em gradiente de tensões não poderá contentar-se com polaridades rígidas, monocromáticas, de oposições nítidas para todos os casos envolvidos, mas considerará sempre os matizes, as posições intermediárias.
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