Em estudo clássico, A Ascensão do Romance, o inglês Ian Watt examina o realismo desse gênero narrativo vitorioso no mundo moderno (que tem uns quase 300 anos de vida). Desde que nasceu em sua versão urbana, na Inglaterra do século 18, o romance conta histórias de gente que se parece muito com o leitor, vive em cidades e ruas que o leitor pode conhecer, sofre coisas parecidas.
Consta que, lá em 1720, quando apareceram obras como Robinson Crusoé e Moll Flanders, havia leitores que sinceramente não tinham certeza sobre o grau de realidade daquelas narrativas – afinal, os personagens tinham nome e sobrenome, cruzavam esquinas que qualquer londrino conhecia. Quem sabe eram mesmo verdadeiros os casos?
O romance conta qualquer história com realismo: essa é sua marca. Mas nos tempos mais recentes começou a relatar trajetórias menos nítidas, mundos interiores, com personagens comandados por forças aleatórias, resultando em caminhos de aspecto arbitrário.
Ricardo Lísias, em O Céu dos Suicidas (Alfaguara), trilha essa estrada. O narrador, Ricardo, tem a manha do colecionista, e purga o suicídio de um amigo, André, os dois formados em História. Se acrescentam outras figuras fugidias, mas o enredo se concentra nesses escassos elementos.
Minha experiência de leitura foi meio ambivalente: ao ler, acompanhei com gosto as peripécias, as buscas, as rememorações do narrador, reconhecendo o bom texto, as cenas bem construídas, por esgarçadas que fossem; mas se, por algum motivo, eu parava de ler, não sentia falta de retomar o livro. Quer dizer, não me movia a curiosidade por saber onde ia dar aquilo.
Talvez não seja nenhum problema do livro, porque ele de fato parece viver dessa fragilidade, de ser um relato sem paixão, com pouca intensidade emocional, que não constrói força para manter este leitor à tona, nadando para alcançar o desfecho. Talvez o romance, por isso mesmo, seja tão revelador de uma sensibilidade comum em nosso estranho tempo desiludido e cético.