Meu filho, pela décima vez seu pai perdeu um voo. Repita comigo: "Não serei um abobado como meu pai". Repita cem vezes. Faça como aquele castigo que Bart Simpson passou escrevendo num quadro-negro. Coloque na lousa a frase acima. Pois isso aconteceu de novo num dos quatro aeroportos de Rostov, Vnukovo. Um fato lamentável. Mas seu pai teve algumas razões. Três na verdade.
Estava eu com Pedro Ernesto, um vovô bonachão, boa praça, pançudo e carinhoso até quando mal-humorado, e Eduardos - aqui na Rússia são três: o Gabardo, o Garbi e o Peninha (nunca fale com esse último. Ele nunca mais parará de tagarelar).
Duda, eu e Pedro encontramos Gabardo depois de dias. Ele perambulou com a Seleção pela Europa antes de chegar por aqui. Abrimos sorrisos e nos abraçamos e rogo que tenha vários amigos que lhe façam sorrir na vida. Basta ser um cara leal e parceiro para conseguir. Fiquei tão feliz que abri uma exceção no primeiro dia de Rússia da vida: comprei cervejas para comemorar. Eis outra dica: comemore pequenos momentos. Eles que formam a vida.
Pois pedi IPAs. Um estilo amargo, cheio de lúpulo e já ali notei que o atendente não entendeu meu português, tão pouco meu alegretense inglês. Opa. Perigo. Comunicação falha. Mas a linguagem para a compra do álcool pode ser resolvida apontando o dedo. Levei os copos para os amigos, bebemos felizes contando histórias, lembranças sagazes, um tantinho de tristezas divididas e o alto-falante do aeroporto só falava russo. Nosso portão de embarque estava parado. Nada de fila, de correria, de pessoas se matando por lugar. Tudo muito civilizado. Perigo de novo.
Olho para o relógio. Pavor! Está na hora! Cadê o embarque? Perdemos? Meu Deus ortodoxo?! Perdemos o voo?! Sim. A aeronave deve ter mudado de portão, e a ignorância no idioma de Mário Fernandes — um bom lateral brasileiro naturalizado russo — nos atrapalhou. O avião foi sem a gente, a companhia aérea Utair retirou as nossas bagagens — fica a dica, companhias brasileiras — corremos para balcões de aeroporto e hotel — e dormimos longe do grupo que nos esperava em Moscou.
Perdemos alguns bons rublos e ganhamos uma história. Aos risos, saímos debochando de nós mesmos, rindo da nossa ignorância em russo e abraçados.
Por isso, meu filho Federico, a lição de hoje é: se perder voos, perca com amigos ao lado. Até as aparvalhadas da vida são uma graça com os verdadeiros amigos por perto.
Potter está na Rússia para cobrir sua terceira Copa do Mundo. De lá, ele mandará cartas ao filho, Federico, que tem três meses e ficou no Brasil. Acompanhe as cartas aqui na coluna.