O Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) tomou uma posição nesta sexta-feira (4) que pode mudar completamente a relação de compra e venda de jogadores de futebol. Um efeito parecido com o que teve a Lei Bosman, em 1995, que tornou livres os atletas ao final do contrato e revolucionou o mercado.
O parecer que o TJUE deu, a pedido da Justiça belga, trata do Caso Lass Diarra e abre porta para que qualquer atleta da Comunidade Europeia possa romper um contrato em vigência e acertar com um outro clube.
Isso, é claro, ainda passará pelas instâncias da Justiça da Bélgica, onde iniciou o processo do meia francês Lass Diarra contra a Fifa e a liga local. Porém, a posição da TJUE, feita a pedido dos tribunais belgas, pode guiar a decisão final.
Para entender essa disputa, é preciso voltar à origem dela. Em 2010, Lass Diarra entrou em litígio com o Lokomotiv Moscou por uma redução em seu salário. O clube entendeu essa discussão como razão suficiente para rescindir o contrato de forma unilateral. Lass ingressou com ação contra os russos na Câmara de Resolução de Disputas e Conflitos da Fifa, em busca de indenização. A decisão final foi de que o jogador deveria ressarcir o Lokomotiv em 10,5 milhões de euros.
Lass tinha 29 anos e passagens por Real Madrid, Chelsea, Arsenal e Portsmouth. Não demorou, assim, a receber proposta de um novo clube. O belga Charleroi se apresentou, acertou salários com ele, mas impôs uma condição: só assinaria se a Fifa emitisse documento livrando-o de qualquer responsabilidade do ressarcimento ao Lokomotiv. A Fifa lavou suas mãos e notificou que, conforme seu regulamento, qualquer certificado de transferência internacional deveria ser dado pela liga do clube em que o jogador estava atuando.
A Federação Russa, claro, não concedeu a garantia, e Lass ficou sem emprego. Foi quando ingressou na Justiça belga contra a Fifa e a liga local. Um tribunal de apelações fez a consulta ao TJUE se essa decisão da Fifa e suas regras de transferências não estariam ferindo os princípios da União Europeia, principalmente, o de livre circulação das pessoas. No parecer publicado nesta sexta, sob o título “Algumas regras da Fifa sobre transferências internacionais de jogadores de futebol profissionais são contrárias à lei da UE”, o tribunal deu sua posição e a encaminhou aos tribunais belgas:
— As regras em questão impedem a livre circulação de jogadores de futebol profissionais que desejam desenvolver sua atividade em um novo clube, estabelecido no território de outro país da União Europeia. Essas regras impõem riscos legais consideráveis e financeiros imprevisíveis e potencialmente muito altos, bem como grandes riscos esportivos sobre os jogadores e clubes que desejam contratá-los, o que, em conjunto, é tal que impede as transferências internacionais desses atletas.
O TJUE também considerou que as normas vigentes restringem a concorrência dentro dos limites da UE, que poderia ser exercitada com o recrutamento de jogadores unilateral de jogadores sob contrato com outro clube ou livres depois de rescisões sem causa justificada. Essas seriam regras, conforme a apreciação do TJUE, que "não parecem indispensáveis ou necessárias".
A disputa será agora nas cortes belgas. A Fifa acredita que será possível vencer a causa e manter as regras atuais. Mesmo que os dois artigos em xeque mexam diretamente nas relações de compra e venda de atletas como conhecemos desde 1995, quando o belga (olha o país aí outra vez) Jean Marie Bosman ganhou nos tribunais o direito de escolher seu novo clube ao final do contrato com o RFC Liege. Na ocasião, foi beneficiado por uma decisão do TJUE.