Em um cenário de dinheiro escasso, dívida alta e muitas contas a pagar, gerir um clube com orçamento de grande empresa já é um desafio. Acrescente-se a isso, a pressão do torcedor por reforços em temporada com competições importantes, como a Libertadores, e o fato de se estar ingressando em um ano eleitoral. Foi para tentar desenhar um retrato das finanças do Inter nessa moldura que a coluna conversou com o CEO Giovane Zanardo. Antes que você leia a conversa inteira, antecipo: trata-se de uma ginástica desafiadora. Confira.
Qual o cenário desenhado para 2023?
Tivemos dois anos de muitos ajustes. Em um primeiro ano, conseguimos ficar no equilíbrio, com uma série de medidas, estruturações. Embora o desempenho esportivo não tenha sido o que imaginávamos, do ponto de vista econômico e financeiro, conseguimos atingir a meta. Neste segundo ano, não tenho o fechamento total, está sinalizando um resultado na ordem de R$ 9 milhões de déficit. É estimativa, não sabemos o que acontecerá, estamos no meio da auditoria. Pelos ajustes que fizemos, temos essa expectativa. Para este terceiro ano de gestão, vamos com expectativa bem positiva, do ponto de vista econômico e financeiro.
O que faz você ter essa expectativa?
Fizemos uma forte reestruturação em algumas áreas nestes dois primeiros anos. No futebol, remodelamos o grupo em 2022. Quando se faz isso, há custos de saída, que nunca são no primeiro mês. Carrega-se esses custos por um tempo, e isso praticamente se superou em 2022. Este ano abre com um grupo de jogadores bastante estruturado, com pouca necessidade de ajuste. Isso nos faz abrir a temporada com boas perspectivas no ponto de vista esportivo. Estamos nas principais competições, entrando na Libertadores diretamente na fase de grupo. Entendemos que temos pela frente um ano para o qual estamos preparados para diferentes cenários, com ótima vitrine e perspectiva importante de relacionamento com a torcida, pelas competições. Um terceiro ponto é que fizemos, na reta final de 2022, o lançamento do Mundo Colorado.
Por que o Mundo Colorado tem esse peso na perspectiva?
Embora tenha sido feito o lançamento em 2022, a conclusão dele será no primeiro trimestre de 2023. Trata-se de todo um ecossistema digital. Significa mais do que facilitar a vida do torcedor com relação a check-in, reserva de ingressos, contato com associado. O que buscamos foi a construção de um lugar para os colorados, em que toda a família colorada está inserida. Ali, o torcedor saberá do que está acontecendo. Mais, ali será a interface dele com o Inter. Aquele colorado que está distante vai se sentir parte. Teremos uma outra relação com o torcedor e com o sócios, uma conexão muito íntima em um lugar que é nosso. Em resumo, estaremos em sintonia com nosso torcedor e, com isso, podemos conseguir coisas muito boas em 2023.
Esse ambiente digital e de conexão com o torcedor permitirá mapeá-lo em seus hábitos e rotinas para que se entregue a ele uma experiência mais individualizada no matchday?
É parte importante do processo, mas não é o todo. No caso do matchday, em termos de Beira-Rio, podemos ter melhor fluxo de acesso, oferta de serviços, entretenimentos que poderei proporcionar. Mas o Mundo Colorado é mais do que isso. Ele nos permitirá estar próximo do colorado que está longe de Porto Alegre. Você tocou na questão do hábito do torcedor. A partir desse ambiente digital, podemos saber se esse torcedor distante assiste ao jogo em casa, no bar, com a família, com os amigos. O Mundo Colorado é o lugar em que vamos nos conhecer melhor, haverá toda uma lógica de aproveitamento de dados dessa relação. Por ser um lugar de colorados, ele se mostrará mais e permitirá que se conheça mais suas características, hábitos e expectativas. Com isso, se desenvolverá uma relação mais profunda e diária. Todo colorado é apaixonado, já existe essa relação de amor com o clube. O que precisamos é revisitá-la todos os dias.
Voltando à questão financeira, o quanto é fundamental fazer duas ou três vendas para equilibrar contas?
Ainda somos dependentes (da venda de jogadores). Basta olhar nossa projeção orçamentária para o ano. Temos dependência. Como se trabalha caso elas não aconteçam agora? Organizando o fluxo de caixa do ponto de vista de despesa e receita. Quanto antes eu faço a venda, melhor para o fluxo de caixa, me permite enfrentar compromissos na largada do ano com mais tranquilidade. Isso não quer dizer que, se a venda não acontecer, não consiga atravessar o rio e chegar até a data em que o negócio saia. Essa venda precisa acontecer numa boa condição. Tivemos um bom ano, embora sem títulos e fora das expectativas que tínhamos, e contamos com bons ativos. Não estamos fazendo liquidação de jogadores.
O quanto seria possível esperar até uma venda?
Temos de considerar que esse recurso é importante, mas precisa ser numa condição favorável. Não é condição de absoluto desespero. É preciso encontrar oportunidade e desejo. Até chegar esse momento, e ele pode ser em março, abril, julho ou agosto, temos outras alternativas, como negociação com fornecedores, realinhamento de contratos, parcelamento de compromissos.
Em 2022, os números do balanço mostrarão cerca de R$ 80 milhões gastos com juros bancários. Este ano, pelas informações que tenho, partem de R$ 30 milhões, que crescerão com as taxas mensais. Como lidar com isso?
De fato, essa questão do endividamento bancário é importante, tem sido falada ao longo dos últimos dois anos. Nosso presidente mencionou várias vezes. Tivemos a elevação da taxa de juros da Selic. Tínhamos algo na faixa de 2,5% lá atrás. Hoje, estamos em 13%, 14%. Isso compromete o endividamento do clube, é ponto de preocupação. Também por isso a necessidade da venda de atletas. Quando se faz uma venda, a receita dela é a chance de renegociar o endividamento, fazer enfrentamento de compromissos, em negociações favoráveis para nós. Não resolve de todo, não se faz isso (quitação) em um ano. Mas ajuda nessa composição quando se tem receitas para renegociar. Evita o juro sobre juro.
Qual a dívida do Inter hoje?
Entre R$ 620 milhões e R$ 630 milhões. O grosso do nosso endividamento é fiscal, está equacionado no longo prazo. São cerca de R$ 250 milhões. Temos outro grupo de endividamento, que é bancário, na ordem de R$ 100 milhões, R$ 120 milhões. Tem uma operação maior, de longo prazo, que estamos rolando. Algumas outras são operações ponte, para fazer a travessia do rio aquela, até chegar o momento em que se tenha premiação ou venda de jogador. Daí, vou lá e quito. Um terceiro grupo, composto por todas as outras dívidas, é passivo oriundo de ações trabalhistas, cíveis e toda a parte de fornecedores. São aproximadamente R$ 200 milhões. Esses são números aproximados, fazendo uma divisão rápida.
As dívidas de curto prazo, que pressionam o caixa, representam quanto?
O próprio endividamento bancário tem negociações mais longas, assim como de ações trabalhistas. Ao final do processo, nesses casos, se faz acordo de longo prazo. Temos um passivo de curto prazo, está posto, há uma preocupação com isso. Mas é algo que temos enfrentado e alongado na medida do possível. Também é por isso que precisamos da negociação de atletas, do aumento da receita com quadro social. Isso permite que cheguemos ao credor para fazer renegociação que nos favoreça.
A meta de redução da folha salarial foi atingida e permite absorver novos jogadores?
Desde que essa gestão assumiu e me fez o convite, trabalhamos com o seguinte norte: um olho no gato e outro no peixe. Ou seja, olhar o financeiro sem perder o protagonismo no futebol. É pelo futebol e por conta dele que conseguiremos melhorar nossa relação com o sócio, teremos mais ativos, mais receita na venda de atletas, novos patrocinadores. Eficiência, é isso que buscamos. É ter folha salarial adequada ao teu fluxo de caixa. Essa remodelação no grupo de 2022 visou justamente a isso.
O Inter já iniciou movimentos para buscar seus 10% nessa compra de Yuri Alberto pelo Corinthians?
Nosso jurídico está cuidando dessa questão, olhando os contratos. Temos 10% do jogador, sem dúvida que trabalhamos com a expectativa de receber. Temos de conhecer os pormenores da transação. O fato é que temos um valor a receber. Não importa se a negociação (entre Zenit e Corinthians) se deu por troca de jogadores ou pagamento em dinheiro. Houve o negócio, e os ativos trocados tem valor. Nós temos direito e devemos receber nossa parte.