Antes da Copa, há uma outra Copa a ser conquistada, a das figurinhas. Mesmo com toda a tecnologia disponível na palma da mão, todos os recursos eletrônicos e a realidade virtual dos games, a tradição das figurinhas fica mais forte. A corrida por completar o álbum faz gerações se conectarem no tempo e se encontrarem em um ambiente analógico que encanta. O prosaico ato de abrir o pacotinho e colar os cromos alimenta a ansiedade de completar o álbum. E o álbum representa o congelar do tempo a cada ciclo de quatro anos.
O sucesso do álbum da Copa de 2022 é estrondoso. A febre é tamanha que shoppings e lojas criaram pontos de troca. Em um desses shoppings da Capital, o espaço ganhou decoração de campo de futebol. Há goleira, grama sintética e bolas de futebol penduradas no teto. Há um ponto de venda de figurinhas e, acreditem, o movimento tem média de 10 mil pacotinhos comercializados por dia.
A gurizada, e os vários adultos, que frequentam o lugar mal percebem a decoração. Os olhos estão apenas nas figurinhas, em um resgate da mais milenar forma de comércio, a troca. Uma dourada vale quantas? Quantas vale aquela figurinha que te falta para completar o álbum? A experiência de ficar como observador em um desses pontos de troca é um banquete. Adultos viram crianças, e as crianças aprendem rapidamente sobre o valor daquilo que tem em mãos.
Aliás, é essa lógica aprendida lá atrás que movimenta o mercado dos colecionadores. Os álbuns da Copa de 2022 que completam agora virarão, lá na frente, as relíquias com as quais barganharão na troca por uma preciosidade.
Foi obedecendo a essa lógica que o funcionário público e jornalista gaúcho José Otávio Pires constituiu uma das maiores coleções do mundo de álbuns de futebol. Eu sabia dessa paixão do Zé Otávio desde os tempos de Famecos/PUC, quando éramos colegas na faculdade de Jornalismo. Ele sempre foi apaixonado por futebol e pelos seus registros. Tanto que levava cruzadinhas feitas por ele para as aulas. Distribuía entre nós e ficava com um leve sorriso, observando nosso sofrimento. Desisti das cruzadinhas do Zé quando esbarrei em "Líbero da Seleção de Camarões na Copa de 1990, com cinco letras". Tataw, admito, era demais para mim.
Para o Zé Otávio, o Tataw era familiar. Naquela época, ele já começava a dar volume para o acervo que, hoje, conta com mais de 1,4 mil coleções. Sua mania de colecionar começou com o primeiro álbum. Aos oito anos, completou o da Copa de 1982, cujos cromos vinham no chiclete Ping Pong. Os dentistas se apavoravam, os pais, brigavam, e a gurizada se divertia. Colecionei esse álbum. Mascávamos tanto chiclete que, à noite, íamos dormir com dor na mandíbula.
Perder o álbum de 1982 é um dos poucos remorsos que guardo. Aquela Copa foi tão marcante que, ainda hoje, lamento não ter esse álbum para mostrar ao meu filho. Por isso, minha empolgação quando vi álbum da Copa de 1982 no acervo do Zé Otávio. Esse tem valor sentimental para ele. Foi o que despertou a mania de colecionar. Na verdade, todos as coleções do acervo têm um valor sentimental. Por que cada uma tem sua história. Há muitas relíquias ali, como uma versão retrô do álbum da Copa de 1930, uma cópia da edição da Copa de 1950 e a coleção da Copa de 1970, da Sadira, a Panini da época.
O mundo dos colecionadores se abriu de vez para Zé Otávio no começo dos anos 1990. Leu nos classificados da revista espanhola Don Balón anúncios para trocas de álbuns e figurinhas. Escreveu para vários dos anunciantes. Um peruano e um espanhol responderam.
Hoje, a tecnologia facilitou a comunicação. Mas aumentou a corrida pelas raridades e pelas versões, como a da Copa de 1982 lançada na Iugoslávia que o Zé Otávio ostenta em sua coleção. Ou o álbum da Copa de 1978, que só completou neste ano. Ou ainda o da Copa de 1982, com o cromo do Figueroa vestindo a camisa do Inter. Nem vamos falar dos álbuns de ligas nacionais, que fazem todos os dias do colecionador um período de Copa. Aliás, se alguém tiver o álbum da Liga Paraguaia de 2007, por favor, avise. Ele virou um dos alvos do Zé Otávio.