Nesta terça-feira (28), o PSG recebe o Manchester City no Parc des Princes. Será uma noite de gala na iluminada noite parisiense. Ali, estarão os dois mais badalados clubes europeus do momento. Camisas que ficaram pesadas graças à força do petróleo e dos bilhões de euros investidos pelos príncipes do Catar e dos Emirados Árabes.
A voracidade deles fez de dois clubes secundários virarem potências com alcance mundial. Mas, como ninguém aqui é inocente, está claro que esse interesse todo em PSG e City está longe de ser por amor ao futebol. Há uma disputa geopolítica renhida por trás desses investimentos, que faz dos clubes apenas peças em um tabuleiro intrincado.
Para entender um pouco mais dessa situação e enxergar além da cortina do campo, a coluna foi ouvir Roberto Uebel, 30 anos, professor de relações internacionais da ESPM Porto Alegre. A conversa fluiu e deu até para vislumbrar um pouco do que será a Copa de 2022. Confira.
Por que esse investimento pesado em futebol?
É o interesse dos dois micro países. Emirados Árabes é menor do que Santa Catarina, e Catar, do que a região metropolitana de Porto Alegre. São pequenos, mas com muitos recursos, produtores e exportadores de petróleo. Utilizam o futebol para projetar sua imagem, basicamente para atrair turistas. São países com regimes autoritários, monarquias absolutistas. O emir do Catar e os vários emires dos Emirados Árabes são quem mandam. Há a figura do primeiro-ministro, mas é decorativa. Se na Inglaterra temos a figura real como decorativa e quem administra é o primeiro-ministro, nesses dois países é o contrário.
Os super times são uma bem pensada estratégia de marketing, portanto?
Eles utilizam o futebol para vender uma imagem de países abertos, modernos. Mas, na verdade, são monarquias absolutistas, como disse, em que mulheres são perseguidas, os meios de comunicação são controlados. Há questão do trabalho feito pelos imigrantes, muitas vezes em condições precárias. Houve muitas mortes, por exemplo, nos canteiros de obras para a Copa. Com os recursos do petróleo, têm dinheiro de sobra para investir em supertimes e futebol. Esse investimento serve, também, para colocar recursos do país no Exterior. Eles têm o futebol como mecanismo de investimento, como se fosse uma commoditie. Como se fosse o petróleo e o ouro, que é outro investimento forte desses dois países.
O sucesso de PSG e City ajudaria a desviar o foco do mundo para questões internas que mereceriam um debate maior?
Com certeza. Tanto Dubai quanto Abu Dhabi foram sedes de jogos de Mundiais de Clubes. Isso também é uma forma de trazer uma imagem diferente do país. O Catar sediará a Copa em 2022. Isso vai atrair a atenção do mundo para o país. É um ponto de escape. O futebol ajudar a tirar a imagem de monarquia ultrapassada, de regimes autoritários. Algo que, por exemplo, a Arábia Saudita não faz. Só agora está abrindo mais seus torneios, é um país ainda fechado. Catar e Emirados são mais conhecidos pelo mundo inteiro graças a esses movimentos esportivos.
Passam uma imagem de serem mais ocidentalizados que a Arábia. Isso acontece de fato ou é só vitrine?
É só vitrine, são muito conservadoras as relações na sociedade em geral, nas famílias. Até porque são países muito conservadores. Não são são ocidentalizados, mas buscam ocidentalizar suas economias. É o que a China faz também. O futebol e o turismo acabam dando a noção de que são países modernos, ocidentais. Mas é só caricatura. Isso vai ficar evidente em 2022, com a Copa no Catar.
Há uma disputa geopolítica por trás desses investimentos em PSG e City. Mas há também uma ponta de vaidade das realezas?
É uma disputa geopolítica. Quando falo de geopolítica, não tratam apenas do conflito, falamos aqui de interesses econômicos, políticos, de influência numa região com absurda produção de petróleo. Esses dois países tentam se manter livres da influência de outros maiores da região, como Arábia, Irã. O futebol é a ponta desse iceberg geopolítico, em que se vê disputa econômica, mas também de egos políticos entre os investidores de Doha e Abu Dhabi. Eles querem se posicionar como quem fez a maior contratação, quem paga mais, quem ganha títulos mais importantes. O futebol é uma forma de projetar esse poder. Para os europeus, isso não faz diferença. O torcedor, muitas vezes, nem sabe quem comprou o clube dele. Se o dono é do Catar ou dos Emirados, pouco importa. Agora, quem vai ganhar a disputa, isso importa muito para os donos.
Catar e Emirados Árabes cortaram relações depois que os países da região acusaram Doha de apoiar grupos terroristas. Em janeiro, houve aproximação. É possível acabar com essas tensões?
Ainda há muitas tensões. Em janeiro, assinaram espécie de acordo de não agressão, mas as tensões continuam. Quando os EUA saíram do Afeganistão, o Iraque organizou, em Bagdá, uma conferência de paz na região. Trouxe à mesa países como Líbia, Arábia, Turquia, Irã. Os Emirados e o Catar participaram também. As diferenças na região enormes, há interesses conflitantes. Mas há uma ideia geral de que mantenha os EUA distantes da região. Embora os países tenham diferenças, eles aceitam mais a presença de China, Rússia e de países europeus como a França, por ironia, país do PSG, do que apresenta do EUA. São países que trazem investimento, não conflitos. Em resumo, as relações entre Catar e Emirados são tensas, mas há os EUA como interesse comum dos dois.
Para encerrar, esse acordo assinado entre Doha e os Emirados será importante visando 2022. O Catar, é provável, não tenha espaço para abrigar a multidão que costuma ir à Copa.
O Catar não tem condição de receber turistas do mundo inteiro, talvez não tenha rede hoteleira para um contingente como esse que vai atrás da Copa. Para onde essas pessoas irão? Para os países da região, e o Emirados é um destino, recebe voos de todos os lados. O Brasil tinha voo direto para lá antes da pandemia. Por exemplo, Iêmen e Omã são países instáveis, não abrigariam os torcedores. A Arábia é fechada. Portanto, acabarão sendo Dubai e Abu Dhabi destinos para quem for ver a Copa. São 30, 40 minutos de voo até Doha.