Miguel Ángel Ramírez e Tiago Nunes são mais do que duas novidades nestes Gre-Nais decisivos do Gauchão. Podemos dizer, sem sombra de dúvida, que a Dupla chega a este domingo, no Beira-Rio, com dois técnicos muito parecidos.
Nem me refiro à coincidência de estarem em começo de trabalho. O que aponto aqui é que, tanto Ramírez como Tiago, trazem para o clássico perfis parecidos, construídos a partir de um olhar menos intuitivo sobre o jogo. São dois estudiosos, dois treinadores que buscaram na academia, primeiro, e depois no estudo e na rodagem pelos gramados a base de suas formações.
Não digo, é bom sempre deixar bem sublinhado, que técnicos com formação empírica sejam menos qualificados ou de menor valor. Nada disso. A experiência de quem esteve no campo e sabe ler a alma do jogador será sempre um acréscimo. Até porque o sucesso passa pela gestão de pessoas. Administrar egos no vestiário caminha ao lado do conhecimento tático e entendimento do jogo.
O ponto aqui é que, neste momento, Inter e Grêmio pegaram estradas parecidas para buscar seus técnicos. Os caminhos traçados foram diferentes, mas com o mesmo destino. Ou seja, sentiram que havia a necessidade de romper e buscar nova forma de ver e lidar com o futebol. Foram atrás da fórmula química que combina o cheiro da grama do campo com o ar refrigerado das salas do vestiário, a malandragem do mundo da bola com a ciência de dados.
Assim, entram em cena os trabalhos em espaço reduzido, o estímulo ao raciocínio rápido, a mecanização para a tomada de decisão mais acertada em um jogo que tem menos tempo com a bola no pé e mais obsessão pelo erro zero.
Mais do que isso, entram no dia a dia a conversa ao pé do ouvido, a instrução minuciosa e a conquista da confiança do jogador a partir do conhecimento. O que o atleta ouve se cristaliza no campo, e isso é mais forte do que qualquer mão paternal sobre a cabeça, de mãos com esse cara.
Há relatos, por exemplo, de jogadores do Grêmio impressionados com a intensidade e a dinâmica dos treinos, fundamentais para implantação desse modelo de transições rápidas e execução objetiva da jogadas que Tiago deseja. E de jogadores do Inter cativados pela didática do espanhol ao mostrar no campo, no quadro e no vídeo o que exige seu jogo de posição.
Mochileiros
Confesso que gostaria de sentar para tomar um chope ou um café que seja com Tiago e Ramírez. O que ouço nas entrevistas coletivas deles me dá certeza de que seria uma aula de futebol. Mais do que isso, uma classe inteira de como se forma um profissional do futebol.
Os dois são oriundos da faculdade, formados em Educação Física, e buscaram na estrada a prática que complementa a teoria. Como diz Ramírez, encheram a mochila até desembarcar em Porto Alegre. Usaram trajetos diferentes, mas com o mesmo objetivo. Ramírez deixou a Espanha jovem e, antes dos 30 anos, desembarcou no Catar, para trabalhar na Academia Aspire. E de lá atravessou o mundo para alçar voo nas bordas dos Andes, no Independiente del Valle. O Brasil é sua terceira parada como mochileiro da bola. Aliás, Ramírez, aos 36 anos, segue costume do jovem europeu, de ganhar mundo para absorver outras culturas.
Tiago seguiu a mesma linha. Saiu de Santa Maria aos 23 anos para desbravar um Brasil que é do tamanho de um continente. O Grêmio é o 16º clube como técnico — juntando o período como preparador, são 22 ao todo. A mochila desse gaúcho de 41 anos está cheia. São tantas histórias que dariam um belo livro. Ou você duvida de que ele não tenha uma coleção de pérolas das passagens por lugares de cultura tão diversa, como Rio Branco, no Acre, Lucas do Rio Verde, no Mato Grosso, ou Bacabal, no interior do Maranhão?
O destino fez com que essas duas trajetórias se cruzassem aqui em Porto Alegre. Ramírez chega pressionado. Necessita dar resposta imediata depois da derrota na Venezuela. Não que o Gauchão possa custar-lhe o emprego. A empreitada para a qual foi contratado é de longo prazo. São dois anos de contrato para promover a ruptura encomendada pela direção, e ele está apenas no 15 º jogo. Porém, em um ecossistema que analisa tudo pelo resultado, vencer garante dias de tranquilidade — pelo menos, até a próxima partida.
Tiago, por sua vez, chega com a harmonia de quem ganhou seis jogos em seis. Definiu um time-base e aplica nele as mudanças para deixá-lo à sua feição. Todo esse contexto faz com que o Gre-Nal deste domingo fique ainda mais temperado. Tomara que tenhamos um grande jogo. Se isso não acontecer, pelo menos, teremos boas entrevistas ao final. Sempre com clareza de ideias, análises detalhadas do jogo e. o que é melhor, nenhuma pergunta sem resposta.