Os argentinos batizaram assim a decisão da Libertadores entre Boca e River. Não poderia ser diferente. Porque na margem esquerda do Rio do Prata, naquela porção movida por paixão ao sul do continente, ali, o mundo se divide em Boca e River.
Tudo começa neste sábado, às 18h, em La Boca, e podem ficar certos: nunca mais vai terminar. A razão desse valor infinito destes dois clássicos que valem a América é simples: daqui a um século, ele será lembrado e comemorado. Seus personagens serão eternizados. Para o bem ou para o mal. Nunca antes na história daquele país houve um Boca x River deste tamanho. É o maior clássico do mundo, como elegeu o Daily Mirror inglês no ano passado. E é mesmo.
Em 1998, tive a fortuna de cobrir um Boca x River na Bombonera aqui para Zero Hora. Posso garantir, não há nada igual no mundo do futebol. O Superclássico, como dizem os argentinos, tem alma e carteira de identidade próprias. Vive sozinho, com glórias e fracassos. Aquele 11 de abril de 1998 eu vou contar para os meus filhos e para os meus netos. E para vocês, claro, como já fiz lá antes do fim do último século.
Me lembro de cada detalhe daquela tarde de sábado. Foi um banquete de futebol. A começar pela carona até o estádio. Entrei na van que levaria a equipe do diário Olé para La Boca e me sentei no canto. Sem alarde, meio tímido. Eis que, ao meu lado, se esparrama na poltrona Ubaldo Fillol. Ele mesmo, o goleiro campeão do mundo com a Argentina em 1978, ídolo do River e do Flamengo. Eu tinha figurinha dele na Copa de 1982, no álbum dos chicletes Ping Pong e, por aqueles prêmios do destino, ele estava ali, do meu lado. Era um dos convidados do Olé para analisar o jogo.
Fomos conversando até a Bombonera. Eu e o Fillol. Sobre o Flamengo, sobre o futebol, sobre os goleiros. A certa altura, já nem o chamava de Fillol. Era Pato, como o tratam o chamam carinhosamente os argentinos. Os amigos se permitem essas intimidades, entende? Da redação do Olé até a Bombonera não se gasta muito tempo, ainda mais no sábado à tarde. Ao entrarmos em La Boca, a ordem: "Fechem as cortinas." A van foi abrindo caminho no meio da multidão. Quando parou, a porta se abriu e descortinou tudo aquilo que vemos em um Gre-Nal elevado à décima potência. Helicópteros da polícia davam rasantes, policiais a cavalo e com sabres monitoravam os torcedores.
Os jornalistas argentinos desceram rápidos e, ainda mais rápidos, acessaram o estádio. O meu amigo Fillol ficou para trás. Um campeão mundial pela Argentina, mesmo sendo do River, é venerado até mesmo no Boca. Quando ele chegou à tribuna de imprensa, a Bombonera já estremecia e rugia com vigor. Naquela época, a civilidade ainda resistia, e a torcida do River, cerca de cinco mil, ocupava um espaço nos andares altos do estádio. Também fazia barulho, mas ninguém ouvia tamanho o fervor da massa azul e amarela.
O clássico daquela tarde valia pelo Clausura e reunia duas seleções. O Boca começava por Abbodanzieri – e ele era reserva, só jogou porque o colombiano Córdoba estava de fora. Seguia com outros dois colombianos, o zagueiro Bermúdez, El Patrón, e o volante Serna. Mais à frente, Arrubarrena, Guillermo Barros Schelotto e Palermo, recém buscados em La Plata, e Caniggia. A base que viria a reinar na América no começo deste século.
O River era ainda melhor. Tinha Salas novinho em folha e a base da Argentina na largada dos anos 2000: Bonano, Hernán Díaz, Ayala, Berizzo, Placente, Sorín e Santiago Solari, hoje técnico do Real Madrid.
Foi um jogaço. O River saiu na frente, com Solari. O Boca empatou no segundo tempo, com Cannigia. O River deixou de passar à frente, com pênalti desperdiçado por Salas. A Bombonera entrou em erupção logo depois, quando Palermo fez o 2 a 1. Abbodanzieri estava na meia-lua. Ao ver o gol, entrou em transe. Virou-se para a La 12 e deu um voo cego, um mergulho nas redes de sua goleira. Ainda viria o 3 a 1, com Arrubarrena e o gol de Salas, o do 3 a 2, no instantes finais.
A vitória provocou um carnaval pelas ruas de Buenos Aires. O ambiente tenso e bélico de antes do clássico havia sido trocado por uma imensa festa. Torcedores do Boca cantavam nas avenidas, entre os carros. Numa paródia de "ilariê", da Xuxa, zombavam que "las gallinas no nos nunca más". Davam a sensação de que futebol é igual em qualquer lugar do mundo. Só a sensação. Por que, neste mundo, não há jogo como Boca x River. Que neste sábado virou a "Final del Mundo".
LIBERTADORES _ FINAL
Sábado, 10/11 _ 18h
Bombonera, em Buenos Aires
BOCA JUNIORS
Rossi; Jara, Magallán, Izquierdoz e Olaza; Nández, Pablo Pérez e Barrios; Villa (Zarate), Ábila (Benedetto) e Pavon.
Técnico: Guillermo Schelotto
RIVER PLATE
Armani; Montiel, Maidana, Pinola e Casco; Enzo Pérez, Ignacio Fernández (Zuculini) e Exequiel Palacios; Rafael Borré, Lucas Pratto e Martínez.
Técnico: Matías Biscay (auxiliar)
ARBITRAGEM: Roberto Tobar (CHI)
O JOGO NO AR: os canais SporTV e Fox Sports transmitem.