Perdoar torna a caminhada mais leve, diz a escritora Martha Medeiros em novo episódio do podcast Potter Entrevista uma das melhores coisas que eu descobri no aplicativo Spotify nos últimos tempos (junto com a lista de clássicos do samba de raiz). São papos longos, divertidos, profundos, com as mais diferentes figuras que você pode imaginar. Meu irmão amou o episódio com Gustavo Borges, na temporada passada. O episódio com doutor J.J.Camargo é mágico. E eu, que já era fã antes dessa entrevista, amei o novo, com a Martha Medeiros.
Pois então. O Potter e a Martha conversaram sobre perdão, que inspira a temporada atual. Palavrinha fácil de ser pronunciada, mas dificílima de ser executada. É admitir-se equivocado. Ceder ao outro. Reconhecer fragilidades. Ouvir o famigerado "eu avisei". Sob outra perspectiva, perdoar também pode significar que você desculpa alguém que te machucou. O que, aliás, é igualmente dificílimo. Em todos os casos, o perdão exige detalhe. Cada descuido traz risco iminente de colisão. É como o circuito de Mônaco, qualquer vacilo e pimba no muro. E, às vezes, não tem volta.
O trecho que quero de destacar é sobre o perdão do outro. Em especial, porque me identifiquei com a Martha. Ela diz: "perdão é comigo mesmo. Eu perdoo. Não tenho ranço nenhum". E assim eu também procuro fazer. Talvez não o devesse, é o que dizem. "Você precisa parar de ser boazinha", "colocar o outro nos eixos", "não deixa te fazerem de palhaça". Caso contrário, vão te machucar de novo. Mas aí vai lá, acontece, e acabo desculpando. Não adianta. Não tenho o hábito de guardar sequer dinheiro, que dirá rancor.
Ocorre que a Martha admitiu nessa entrevista uma única situação que não tem perdão. E aí, querido leitor e querida leitora, de novo vou ter que me render a esta mulher maravilhosa. "Perdoar um torturador está fora de questão", pontuou. Ela havia escrito a frase em um texto antigo, recuperado pelo meu amigo Luciano Potter.
E eu não poderia concordar mais. Como pode alguém exaltar um personagem que se despiu da condição de humano para provocar dor em seu semelhante? Como pode alguém, propositalmente, dar choques, dar um soco na cara, arrancar as unhas, sufocar até quase matar, prender uma mulher grávida em uma cela sem comida... pelo simples prazer de torturar. É cruel. É desumano. É assustador que alguém o faça. Tratar um semelhante como inferior, pior que bicho, é inadmissível.
Disse a Martha:
- Perdoar um torturador está fora de questão. Não há como compreender que alguém tenha tamanho sangue frio, tamanha perversidade para provocar uma dor física, dilacerante em outra pessoa. E dor psicológica também. É preciso ser muito bestial.
E completou, ao mencionar a exaltação de um torturador por parte do presidente da República, dentro do Congresso Nacional:
- Até hoje eu fico perplexa de pensar que a gente - e quando digo a gente, digo "povo brasileiro" - possa ter votado em alguém que enaltece a tortura. Eu não consigo nem imaginar como é que se possa tolerar a ideia, quanto mais perdoar alguém que se disponha a praticá-la - seguiu.
De fato, o presidente pode ter vários erros (e também acertos). E muitos deles são passíveis de uma busca de entendimento, de compreensão ou até mesmo perdão. Mas exaltar torturador - ou recebê-lo com honra no Palácio do Planalto - está fora de questão.