É assustador precisar dizer isso em 2020, mas necessário: não, eu não quero que o presidente morra. Eu gostaria muito que Jair Bolsonaro se curasse do coronavírus e de seu comportamento irresponsável, reiterado em manifestações diárias de desdém sobre a doença. Listou o jornal O Globo pelo menos dez situações em que o chefe do Poder Executivo minimizou a pandemia que paralisou o mundo. Da célebre "gripezinha" à classificação de "histeria" (para as medidas de contenção), um cardápio diverso e constante de desinformação e desapreço pela ciência é oferecido aos brasileiros. Ontem, ao anunciar que testara positivo para covid-19, não foi diferente. Bolsonaro voltou a ser Bolsonaro.
Na entrevista em que se posicionou bem próximo aos repórteres (e chegou a tirar a máscara, instrumento fundamental para proteção contra o vírus), Bolsonaro afirmou que fora medicado com a cloroquina, medicamento mais citado pelo presidente que o ex-amigo Fabrício Queiroz. Médicos têm recorrido à substância combinada à azitromicina para o tratamento da doença, é verdade, mas não há evidências científicas da eficácia - até aqui - do uso no tratamento de pacientes com a covid. Seria bom que houvesse, aliás. Seria ótimo. Todos nós comemoraríamos e retomaríamos a normalidade. Não parece óbvio perceber que, se ainda não retomamos nossas vidas, é porque a cura ainda não foi encontrada?
Bolsonaro conseguiu o que queria. Sem a cobertura do tradicional "cercadinho" em frente ao Palácio da Alvorada, voltou a trazer o holofote para si enquanto executava seus malabarismos políticos. Fez propaganda da cloroquina, desdenhou do isolamento e apareceu na capa dos jornais. Apoiadores aplaudiram. Opositores repudiaram. O presidente "paz e amor" deu lugar a um "influencer" que propagandeia o uso de um remédio. No tocante a isso daí, é no mínimo irresponsável.
Enquanto a nação chora quase 67 mil homens e mulheres enterrados - sem sequer dar a chande de um adeus de suas famílias -, o presidente regozija-se de seu comportamento infantil, inspirando outros milhares de brasileiros a fazerem o mesmo. A busca por um remédio contra o orgulho da ignorância continua.