Que sonoridade terá a combinação profunda de música e músicos brasileiros com música e músicos coreanos? Os paulistas Benjamim Taubkin (piano), Ricardo Herz (violino) e Ari Colares (percussão) acabam de voltar de Seul, onde se apresentaram ao lado do grupo Jeong Ga Ak Hoe no Tongyeong International Music Festival, o mais importante da Coreia do Sul. Repetiram o sucesso feito em 2015 em turnê pelo país asiático. Mas já são velhos conhecidos, pois tocaram juntos pela primeira vez em 2014, em São Paulo, abrindo o Co-Bra Project, idealizado por Taubkin, que desde 2009 viaja à Coreia para pesquisar sua música.
Fiquei impactado com a combinação que eles desenvolveram, e você provavelmente também ficará ao ouvir o disco Coreia Brasil Project, gravado em 2014 e saindo agora. A sonoridade oriental predomina, muito graças ao desempenho das cantoras Narae Lee e Heerim Wang. Mas quando junto a isso entram a melodia e o ritmo brasileiros, o resultado é quase indescritível.
Nossos ouvidos não estão habituados à música oriental, que envolve outra concepção de mundo, mais metafísica. Com oito componentes, o Jeong Ga Ak Hoe traz para o presente a música tradicional coreana, usando instrumentos ancestrais de cordas, sopro e percussão. Imagine o haegeum (algo como um violino de duas cordas) dialogando com o berimbau. O piano jazzístico improvisando entre os timbres do geomungo e do gayageum (instrumentos de cordas que lembram a sitar). Difícil imaginar, só ouvindo mesmo.
Com mais de nove minutos de duração, a faixa de abertura é Consolação (Baden/Vinicius), com estrutura bem diversa do original. Já em Ponta de Areia (Milton/Brant), o colorido da melodia ganha ênfase, assim como o ritmo nordestino em O Canto da Ema (Jackson do Pandeiro) e em Vera Cruz (Milton/Borges). Completam o disco músicas folclóricas coreanas. A síntese delas mescla os conceitos de harmonia e equilíbrio. Boa receita para o Brasil de nossos dias.
Benjamim Taubkin vem há tempos promovendo diálogos. Já fez projetos com músicos da África do Sul, Marrocos, Índia e América Latina. É um dos indispensáveis, segundo Brecht.
Coreia Brasil Project, de Benjamim Taubkim e grupo Jeong Ga Ak Hoe: Núcleo Contemporâneo, R$ 30.
Trenzão do rock'n'reggae
Desde que se conheceram no curso de Música do IPA, em 2007, os integrantes do trio Trem Imperial vinham mais ou menos comendo pelas beiradas. Um show aqui, outro ali, atuações em muitos trabalhos de amigos, um EP + DVD em 2012. Eles se preparavam para um álbum de estreia do tipo avassalador. Pois então: o disco é Louca Viagem, que tem show de lançamento terça-feira próxima, no Theatro São Pedro.
Andrei Corrêa (guitarra, voz), Felipe Narciso (baixo, voz) e Lucas Kinoshita (bateria, voz) acertaram em cheio. Somando rock pesado e reggae pesado, com alguma prevalência do reggae, fizeram um disco de grande coesão sonora, produção impecável e musicalmente inovador por estas plagas sulistas que cultuam os dois estilos.
O álbum se completa com o uruguaio Dany Lopez nos teclados e Bruno Coelho na percussão, mais os convidados Nicola Spolidoro e Marcelo Fruet nas guitarras. Isto é: só caras de respeito. Daí que a Trem Imperial tem boa estrada à frente e agora mira o Brasil, zarpando ainda em maio para shows no Centro. Vai levar esse poder de que falo, muita competência técnica, com vozes e harmonizações vocais muito boas. Se for em ambientes só para dança, se dará bem. Em lugares mais exigentes, talvez fique devendo um pouco, pois, mesmo bem feitas, as letras se restringem à filosofia do tipo "Um novo tempo vai abrir/ Quando o mundo reagir/ Fazendo o bem, não plantando o mal/ E controlando a própria mente". O lado político-social do reggae ficou de fora.
Louca Viagem, de Trem Imperial: MS2 Produtora, R$ 30 nas livrarias Cultura, Palmarinca e em tremimperial.wordpress.com
Antena
Anos 80, de Zé Renato
Uma caixa com quatro CDs celebra os 60 anos de vida e 40 de carreira do cantor e compositor capixaba revelado para o Brasil pelo grupo Boca Livre. Dois discos são os primeiros da carreira solo de Zé Renato, Fonte da Vida (1982) e Luz e Mistério (1984). Os outros, Raridades Volumes 1 e 2, reúnem gravações dispersas em vários álbuns, entre elas o registro original de Na Direção do Dia (1978), pelo grupo Cantares, que um ano depois, com o nome de Toada, seria o primeiro (e o maior) sucesso do Boca Livre. Um interesse particular para os gaúchos têm as canções Rodrigo, Meu Capitão e Senhora Dona Bibiana, de Tom Jobim e Ronaldo Bastos, gravadas para a trilha da telessérie O Tempo e o Vento (1985). Na verdade, os quatro CDs enfatizam a qualidade atemporal de Zé Renato (e parceiros), em gravações sublinhadas pela presença de grandes instrumentistas. Os encartes, com fichas técnicas completas, incluem textos de Maurício Gouveia sobre o artista e sua música.
Discobertas, R$ 80 (em média)
Pegou um Sonho e Partiu, de Mirianês Zabot
O título do disco em que canta só músicas de Gonzaguinha (1945-1991) pode se referir à própria cantora, nascida no interior do interior do RS, que em 2006 partiu para São Paulo em busca de novos horizontes. Mas, antes, é um tributo ao compositor carioca nos 25 anos de sua morte – completados em 29 de abril. Ela conhece bem o repertório, que sempre esteve em seus shows. Escolheu canções de todas as fases da carreira de Gonzaguinha, a partir de Comportamento Geral (1973), que começava a fazer sucesso quando foi proibida pela Censura. Entre outras, a voz suave, cálida de Mirianês, atualiza Maravida, Com a Perna no Mundo, Sangrando, Desenredo, Galope, Caminhos do Coração e Espere por Mim, Morena. Os músicos são os mesmos do primeiro álbum (2009), feras como Marinho Boffa (piano) e Itamar Collaço (baixo). Oswaldo Bosbah faz violão e os arranjos.
Independente, R$ 25, à venda em mirianeszabot.com.br
Sinatra ao Vivo, de João Senise
É apenas o segundo álbum do jovem (e muito bom) cantor carioca, mas ele não deixou por menos, mergulhando em 14 canções clássicas de um dos mitos da música norte-americana. Mais: gravadas ao vivo no show em homenagem ao centenário de Frank Sinatra. A coragem e a qualidade vêm da família. João é filho de Mauro Senise e enteado de Gilson Peranzetta, músicos de exceção. O pai aparece como convidado tocando sax e flauta. Gilson é o pianista e arranjador, liderando bambas como Leo Amuedo (guitarra), Zeca Assumpção (baixo), José Arimatea (trompete) e Idriss Boudrioua (sax). Os naipes de sopros, aliás, são de alto gabarito. Com um inglês sem reparos, João visita I’ve Got You Under My Skin, Night and Day, Strangers in The Night, The Lady is a Tramp, Just Friends, Fly Me to The Moon, My Way, New York, New York e, em português, o par Dindi/Insensatez.
Fina Flor, R$ 30