Os progressos tecnológicos, especialmente os relacionados com imagem, modificaram a relação dos idosos com a medicina, trazendo os impagáveis benefícios do diagnóstico precoce. E então, na descoberta de lesões menores, puderam contar com a disponibilidade de tratamentos mais eficientes e menos agressivos. Essa qualificação técnica, somada à determinação de check-ups periódicos, principalmente a partir daquela idade em que morrer não tem mais nada de espetacular, contribui de maneira substancial para o aumento da expectativa de vida da população geral com câncer.
No entanto, essa atitude inteligente e racional de prevenção ainda não é unânime e sofre oposição entre os néscios e negacionistas, esses mesmos que, no século 21, ainda são contra vacina e se sentem ofendidos se alguém questiona se estarão a favor da peste.
Admito que você possa estar sem paciência com esse tipo de texto e deseje parar, afinal esse é um direito seu, mas não sem um aviso: você vai perder uma história muito boa!
A Natália tem mais de 80 anos, é meio gordinha, com uma cara muito fofa e um sorriso espontâneo que quase lhe fecha os olhos. Parecia muito feliz quando anunciou: "Estou encantada de ter conseguido marcar uma consulta com o senhor". Quando eu ia dizer que não havia nada de especial com o agendamento porque, afinal, é o que eu faço todos os dias, Agnello, o marido, dono de uma bochecha ainda mais vermelha, interrompeu: "Não faça o doutor perder tempo, mulher! Conte logo porque você está aqui".
Ela se mexeu na cadeira e assumiu uma posição mais oblíqua em relação a ele. Uma maneira muito didática de excluí-lo da conversa.
E então contou que sua ginecologista tinha recomendado que ela fizesse uma revisão considerando a história antiga de tabagismo. Por conta disso, entre outros exames, havia a solicitação de uma tomografia de tórax que revelou um tumor de 1,5 cm, uma lesão com uma chance altíssima de cura e só encontrável pela busca ativa, por ser, obrigatoriamente, assintomática. Comentei, com aquele entusiasmo que encanta os pacientes, sempre condicionados a informações otimistas, o quanto ela tivera sorte em descobrir uma lesão tão pequena que significava uma operação com perda muito pequena de tecido pulmonar, a certeza de que essa lesão podia ser removida com o uso de vídeo numa operação muito menos agressiva, com o tempo de internação de, no máximo, três dias. E o que a deixou ainda mais sorridente: não precisaria fazer nenhum tratamento no pós-operatório.
Ao solicitar os exames adicionais e encaminhava o pedido de internação, me dei conta de que o Agnello continuava em silêncio, não fosse um ruído leve que podia significar um rosnado sutil. E era.
Enquanto a dona Natália organizava o pacote de tomografias, Agnello, olhando no vazio como se eu tivesse saído da sala, acionou um sotaque carregado para liberar sua irritação: "E você pensa que Deus é surdo? Toda vez que lia no jornal qualquer coisa dele, tinha que dizer: imagina a maravilha que é ser cuidado por esse doutor! Pois agora taí, ele é todo teu!". Não podia ser ciúme. Mas então o que seria?
A primeira hipótese apontava para esse sentimento obscuro que rege a crença primitiva de que quem procura doença acaba adoecendo. Quando já olhava para ela como uma inocente vítima do destino injusto, fui sacudido pelo contraponto. Houve um dia, não importa há quantas décadas, em que, rendida à paixão, essa péssima conselheira, ela pensou: "Esse é o homem da minha vida. Se eu não puder casar com ele, prefiro morrer".
E o que mais Deus poderia fazer, sendo generoso como Ele só?