Depois da primeira década de atividade médica, há uma descoberta inevitável: as doenças são monótonas e repetitivas, o que as torna enfadonhas, na maioria das vezes. E é exatamente nessa encruzilhada profissional que os médicos se dividem em dois grupos: os que tratam as doenças e aqueles felizardos que cuidam de pessoas que adoeceram e nunca cansam de aprender, compartilhar, sofrer, se emocionar e, eventualmente, se divertir, com a infinita variedade de tipos que, em situações semelhantes, agem de maneira original e imprevisível.
Os médicos do primeiro grupo têm um certo enfaro no olhar, raramente sorriem e desperdiçam, sem perceber, uma matéria-prima riquíssima que poderia torná-los mais interessantes como indivíduos, sem comprometer a imagem de cientistas pobremente concentrados em si mesmos.
É verdade que os integrantes do segundo grupo se expõem mais, e isso implicará, em algumas circunstâncias, compartilhar sofrimento. Mas é só assim, escancarados, que os médicos verdadeiros conhecerão as benesses da gentileza espontânea, do carinho retribuído, do respeito explícito e da gratidão compensadora.
Se isso tudo não bastasse, ainda há um bônus: essas criaturas, mesmo estando ou tendo estado doentes, muitas vezes deixam histórias divertidas, porque a vida sempre mistura o trágico e o cômico para que um faça o outro suportável.
O Elmano, um italiano de quase dois metros de altura, casado com a Janete, uma baixinha sorridente, foi operado de um câncer de pulmão e, numa revisão, seis anos depois, confessou que, apesar de tudo, ainda não tinha conseguido parar de fumar. Fiz a prescrição, orientei que aumentasse a atividade física e voltasse. Três meses depois, na reconsulta, cobrei as promessas que fizera:
— E, então, paraste de fumar?
— Nunca mais coloquei um cigarro na boca.
E a baixinha aparteou:
— Fumou na semana passada.
— E as caminhadas?
— Ah, doutor, eu caminho o dia inteiro.
— Não acredite nele, doutor. Ele só caminha até a garagem!
A cada intervenção da mulher, ele resmungava:
— Mas que mulherzinha irritante! E pequena!
Depois que ele chamou a mulher de pequena pela terceira vez, questionei:
— Mas ela não devia ser mais alta quando você se apaixonou por ela. O que isso lhe incomoda agora?
— O que me incomoda? Dá pena bater, ora!
Ela sorridente, disse:
— Não acredite nisso, doutor. Ele nunca me encostou um dedo, e eu amo muito este gringo!
— Não precisava dizer isso, pequena. Só você estar aqui, com esta cara linda, já é a prova.
Saíram abraçados e sorridentes. Antes que entrasse o próximo paciente, escrevi na ficha do computador para, quem sabe, incluir esta história numa crônica futura: "a descontração carinhosa só existe entre os que se amam tanto que podem debochar das palavras que ofenderiam".