Todos os anos, na primeira quinta-feira de fevereiro, no gigantesco salão de festas do Hilton Hotel, em Washington, se comemora o National Prayer Breakfast, uma megafesta de confraternização benemerente, que costuma reunir mais de 3,5 mil personalidades de cerca de 150 países. O pódio é dividido entre o presidente dos Estados Unidos e um convidado, desconhecido até o momento em que é chamado para ocupar o microfone. A curiosidade pelo convidado incógnito é um dos charmes da festa.
Na mesa de honra, o presidente Bill Clinton, em primeiro mandato, e seu vice, Al Gore, acompanhados das esposas. Houve um frisson no auditório quando uma mulher miúda e magra, trajando um hábito branco com debruns azuis, se deslocou em passo lento em direção à tribuna. A Madre Teresa de Calcutá tinha sido agraciada, em 1979, com o Nobel da Paz, mas ainda era pouco conhecida do grande público americano. Apresentada como convidada do ano, iniciou sua fala com um discurso politicamente sereno que valorizava a solidariedade entre os povos. Depois de alguns minutos, mudou o tom, com uma pergunta surpreendente: "Quem aqui acredita em Deus, por favor, levante a mão!" Depois do pasmo inicial, menos por fé inabalável e mais pela urgência em fugir do constrangimento de ser o único ateu, todos levantaram as mãos.
"Muito bem, então estamos entre devotos, e isto é sempre tranquilizador. Na calçada, em frente a este lindo hotel, estava uma mendiga com três crianças e, então, minha segunda pergunta: quantos dos senhores pararam para oferecer-lhes alguma ajuda?"
Depois de um burburinho que significava "o que está acontecendo aqui?", instalou-se um silêncio constrangedor, que só foi quebrado pela terceira pergunta, desafiadora e corajosa: "Como é que os senhores conseguem acreditar num Deus que não veem se estão cegos para o sofrimento e a fome dos seus semelhantes?"
Esta pequena gigante e maravilhosa, Madre Teresa, que se tornou um símbolo mundial da generosidade, seguiu com seu discurso duro e realista que, ao terminar, provocou um aplauso delirante do público e uma rigidez facial nos poderosos.
Admitiu que, mais de uma vez, ela própria teve conflitos com sua fé religiosa, mas nunca titubeou em reconhecer que a generosidade com o próximo é a mais autêntica conexão com o ser supremo que cada um elege como seu Deus.
Em 1948, ela recebeu autorização papal para sair do convento e ir viver entre os pobres na periferia de Calcutá. Mesmo tendo uma vida destinada a ajudar os miseráveis, a sua canonização mereceu muitas críticas de seus detratores, que a acusavam de ser adepta da pobreza para manter a sua obra social que se disseminou pelo mundo, através das Missionárias da Caridade, envolvendo mais de três mil religiosas.
Tendo falecido em 1997, foi beatificada pelo papa João Paulo II em 2003, e o processo de canonização só ocorreu em 2016, quando papa Francisco, diante da apresentação do segundo milagre atribuído a ela, assegurou-lhe a santificação, conforme os ritos da Igreja Católica. Seu poder de santidade continuou sendo contestado pela legião inconformada dos que não percebem que passar a vida inteira cuidando dos outros é o maior de todos os milagres.