Como raramente encontrei alguém com menos de 60 anos sinceramente conformado com o que é, sinto-me autorizado a supor que a maioria está moderada ou intensamente insatisfeita com a vida que conquistou e, se pudesse, mudaria. Feita a constatação, começam os problemas: dá muito trabalho mudar. E então, por inércia, preguiça, perda de motivação ou simples cansaço antecipado pela energia que teriam de desprender, desistem. Mas o conformismo não significa paz de espírito. Pelo contrário, deflagra uma cascata de sentimentos inferiores como despeito, fragmentação da autoestima, amargura e, invariavelmente, inveja dos que conseguiram. Como o instinto da preservação sempre prevalece, só resta a alternativa da falsa aparência.
O faz de conta se generalizou de tal maneira que a descoberta de como de fato somos se tornou uma tarefa impossível.
Alguns estudos comportamentais, focados em situações específicas, mostraram achados curiosos e bizarros. Quando colocadas em situações primitivas, como fome, por exemplo, é inacreditável a atitude de pessoas diferenciadas: deem um farto prato de comida a um intelectual faminto e a certeza de que ele está sozinho, e terão o mais requintado modelo do homem das cavernas, sem constrangimento de comer com as mãos e mastigar com a boca aberta.
Em seguida, transfiram o mesmo indivíduo para um ambiente sofisticado e, instantaneamente, reencontrarão nele a fidalguia do gesto quase feminino de limpar o canto da boca com a pontinha do guardanapo de linho impecável.
Todos concordam que essa nobreza de comportamentos não se improvisa, e são necessários anos e gerações de diferenciação social para que se incorporem a ponto de se tornarem automáticos e espontâneos.
Não sendo possível acelerar o processo e inserir atalhos, a maioria das pessoas se esforça em fazer parecer que é melhor do que de fato consegue ser.
O encanto dessa virtude ensaiada pode persistir por muitos anos, mas, especialmente nas figuras públicas, estará sempre ameaçada de ruir se alguma circunstância imprevista sacudir-lhe as bases, a ponto de libertar o primata mantido amordaçado pela autovigilância.
Como era de se prever, o desmascaramento, quando ocorre, é muito traumático, e a reação de fúria dos envolvidos é completamente compreensível.
Foi o que se viu nos episódios recentes com um ex-presidente. Aquele vídeo da deputada em primeiro plano, com voz baixa, descrevendo a pretensa serenidade com que seu líder falava com a presidente, foi emblemático. Enquanto ele berrava os maiores impropérios, desnudando-se, ela, generosa e lúcida, tentava vender a imagem que todos os seus partidários considerariam adequada a uma figura pública do significado do seu ídolo político.
Superada a fase da negação, porque o que se disse está gravado e não se pode borrar, restou a estratégia deprimente de criticar os meios de obtenção dos diálogos, como se fosse possível ignorar a gravidade e a baixaria das acusações contra todos os poderes do Estado brasileiro.
E assim reprisamos Fernando Collor que, depois de afastado do poder, foi julgado inocente pelo Supremo, visto que as provas tinham sido obtidas sem autorização judicial. Então, fixado na forma da denúncia, porque o conteúdo lhe era desabonatório, ele assumiu a deslavada condição de vítima inocente, como se não tivessem nenhuma importância os absurdos contidos nos autos.
A repetição do repertório, agora com novos personagens, só serve para mostrar que, em termos de cultura política, tristemente, não avançamos. E que o imprevisto pode ser um delator cruel, arrancando máscaras que, de tão antigas, se supunha integradas à cara.