Desde 1964, a relação entre fumo e câncer de pulmão está definida. Naquele ano, dois pesquisadores, estudando uma população de médicos fumantes da Escócia, determinaram não somente a relação causal, mas também o tempo necessário para que o fumante seja incluído na população de risco e a relação entre o número de cigarros e o aumento da probabilidade da doença.
Considerada a enfermidade que mais matou no século 20, o tabagismo se transformou numa verdadeira epidemia, com cerca de 2,5 milhões de casos novos em todo o mundo, a cada ano.
Quando as organizações médicas, de posse dessas informações, começaram a promover campanhas de alerta da população, tinham a óbvia pretensão de alertar os fumantes para que interrompessem o vício ou, na pior das hipóteses, buscassem recurso médico ao menor indício de anormalidade. Ingênua pretensão.
Por erro grosseiro de estimativa, ignorou-se um dado importante que podia ter sido previsto: as pessoas não seguem fumando só porque lhes agrada. A maioria fuma porque não consegue parar. Afinal, o cigarro, afora ter sido glamourizado durante décadas, produz uma das mais poderosas adições.
Quando existe consciência do problema potencial e não se consegue evitar, o sentimento de culpa é inevitável. Por isso, a maioria dos fumantes está afogada em culpa. Assumida ou não. E como reagem os culpados quando se sentem, de alguma maneira, ameaçados pela temeridade a que se impuseram? Negam, pura e simplesmente. A tendência à promessa quase compulsiva de abandono, ainda que não traduza nenhum desejo real de interromper, é outra evidência do peso que a maioria dos fumantes carrega. Excluam-se desse grupo aqueles que ficam furiosos com os que se preocupam com a saúde deles e reagem ofendidos pelo que chamam de violação das liberdades individuais. Rezar por esses parece mesmo ser a única alternativa.
Não importa a que grupo o fumante pertença, o que ele precisa mesmo é de socorro. E, nesse sentido, é impressionante ver pessoas inteligentes e bem informadas, com queixas persistentes, e buscando soluções mágicas que podem incluir cigarros de baixo teor, xaropes prodigiosos que aliviaram tosses renitentes de amigos fumantes e outras bobagens que revelam a dificuldade de encarar uma possibilidade diagnóstica desagradável. Alguns confessam que pensaram nisso depois de um acesso de tosse noturno e prometeram uma providência, mas, depois, voltaram a dormir e, na manhã seguinte, tinha sol outra vez.
O câncer de pulmão tem uma evolução arrastada de cerca de 10 anos desde que a primeira célula se dividiu anarquicamente e desencadeou a marcha do tumor. Porém, depois que o tumor se torna visível, e com uma duplicação de volume ocorrendo a cada três ou quatro meses, temos, em geral, menos de seis meses de tempo hábil para diagnosticar o tumor ainda fechado no pulmão e, portanto, cirurgicamente curável.
A protelação do diagnóstico pela negação dos sintomas pode ser fatal a qualquer pretensão curativa.
Na semana que vem, discutirei os sinais de alerta que não podem ser desperdiçados. Contra um inimigo deste tamanho não há espaço para nenhum faz de conta.
Leia mais colunas de J.J. Camargo em zerohora.com/jjcamargo