Tem 221 páginas o relatório da investigação da Polícia Federal sobre o plano para assassinar o ministro Alexandre de Moraes (do Supremo Tribunal Federal), o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e seu vice, Geraldo Alckmin (PSB). Mais do que um inquérito, é um roteiro que mostra como radicais de direita foram da mobilização intensa pós-eleições à decepção quando o golpe de Estado preconizado por eles não se concretizou. Entre os criticados está Jair Bolsonaro (PL), o presidente derrotado nas urnas, pela hesitação em dar a ordem aos militares para decretarem estado de sítio e prisões dos vencedores do pleito.
A investigação começa antes mesmo das eleições presidenciais de 2022, mas ganha impulso com os bloqueios de rodovias e acampamentos em frente a quartéis, montados por militantes de direita inconformados com a derrota nas urnas. E culmina com articulações de extremistas das Forças Armadas para cometerem assassinatos de autoridades, de tal forma a gerar um tumulto que justificasse estado de sítio e a entronização de uma junta militar no poder.
O arquiteto desse plano foi o general Mário Fernandes, ex-comandante de tropas especiais do Exército. Conforme a PF, ele inclusive elaborou lista de armamentos destinados a assassinar Moraes, Lula e Alckmin e mandou subordinados seguirem o ministro do STF para um possível atentado em 15 de dezembro de 2022 – que não se concretizou por que o magistrado mudou o roteiro de compromissos naquela noite.
O inquérito da PF mostra que o general disparou saraivadas de mensagens para chefes e subordinados, instigando o presidente derrotado a dar um golpe de Estado. Golpe que nunca se concretizou, até por encontrar resistência na cúpula das Forças Armadas, no empresariado, na mídia e no campo das relações internacionais. Aqui, algumas mensagens que mostram como o desencanto foi tomando conta dos extremistas, inclusive quanto ao próprio Bolsonaro:
7 de dezembro de 2022 – Lucas Rotilli Durlo, o Lucão, líder de piquetes de caminhoneiros em São Paulo, se queixa ao general Mário Fernandes da inação de Bolsonaro:
"Fala aí meu irmão, como é que você tá? Cara, tô mauzão hoje, velho. Tô... Tô muito triste, tô... Tô desanimado. Cara, o Xandão (ministro Alexandre de Moraes) tá cagando e andando, velho. Tá literalmente cagando e andando pro povo. Quem manda no Brasil é ele, cara. Porra, já passou do presidente (Jair Bolsonaro) resolver essa parada, cara. 35 dias já nas ruas. O povo aqui em São Paulo começou a desistir já, cara. Já tem barraca sendo desmontada. Né? As pessoas têm trabalho, têm convívio social, o pessoal não tá mais aguentando não, cara. 35 dias nas ruas. Eu mesmo tô desmotivado pra caralho. Esses três últimos dias tomando chuva direto lá, cara, voltando pra casa, porra, fudido. Sapato encharcado, roupa encharcada. Caralho, velho, tá foda."
16 de dezembro de 2022 – O general Mário Fernandes encaminha dois áudios ao general Luiz Eduardo Ramos, então ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência da República. No primeiro, solicita que o ministro convença o presidente a não desistir dos intentos antidemocráticos. No segundo áudio, Fernandes parte para o ataque:
"Será possível que nós vamos atrasar 10 anos? O senhor tá vendo as coisas que tão acontecendo aí? Nós vamos atrasar 10 anos? Vocês não vão fazer nada? Não é possível, eu não acredito. Não tem condição. É agora, comandante. Tem que tomar iniciativa, tem que fazer as coisas agora, comandante. O que eles estão aprontando não tá escrito. O Supremo não tá escrito...Será que tem cabimento, vocês vão engolir seco isso aí? Não conta, comandante. O senhor é outra estirpe. Eu confio no senhor, comandante."
19 de dezembro de 2022 – Mário Fernandes admite que a situação está difícil, em conversa com um subordinado, o coronel Reginaldo Vieira de Abreu. Reginaldo se queixa de Bolsonaro:
"Pô, eu pedi pro pessoal ir lá pra casa do presidente, lotaram, ficaram três horas lá, ele nem apareceu. Deve tá com vergonha, né?...Porra, puta merda. Ele (Bolsonaro) que tenha coragem moral, pelo menos até quinta-feira, falar que não quer mais, né? Pessoal, pelo menos, passar o Natal em casa."