"Give Peace a Chance", dizia John Lennon num famoso hino pacifista dos anos 1970. Só que muita gente vai pelo caminho contrário e 2024 não será exceção. Conflitos que se arrastam há tempos terão continuidade, como mostra nesta semana uma reportagem da revista Foreign Policy (Política Externa, em inglês). Confira algumas guerras que permanecem ou até que podem se agravar:
Rússia X Ucrânia
Em quase dois anos de batalhas, a frente de 1,1 mil quilômetros pouco mudou na Ucrânia ocupada por tropas russas. No início de 2023, o governo ucraniano anunciou uma contraofensiva, mas seu exército pouco avançou. A Rússia continua com domínio sobre as principais cidades ucranianas próximas a sua fronteira, no leste. O tempo está a favor dos russos, devido ao gigantismo de suas Forças Armadas. Os ucranianos padecem com a mortandade da população masculina, direcionada para o esforço de guerra. As perspectivas são mais negativas para o governo de Kiev do que para o de Moscou. Até porque o governo dos EUA anunciou nesta semana que acabou o dinheiro para ajuda aos ucranianos.
Azerbaijão x Armênia
A permanente tensão entre duas ex-Repúblicas Soviéticas na Ásia causou muitas mortes em 2023 e pode se aprofundar agora. No ano passado, a ofensiva relâmpago do Azerbaijão (muçulmano) em Nagorno-Karabakh (enclave cristão com maioria étnica armênia) provocou o êxodo de quase 100 mil pessoas, maioria dos que viviam ali. Resta saber se o Azerbaijão avançará mais em 2024. Ele conta com apoio velado da Turquia. Já a Armênia (cristã) tem a simpatia dos russos, mas não seu apoio bélico.
Hamas x Israel
O conflito que eclodiu após um ataque terrorista do movimento terrorista Hamas a civis israelenses e a consequente ocupação de territórios palestinos por Israel ensanguentou o Oriente Médio no segundo semestre de 2023. A guerra por enquanto está restrita aos limites palestino-israelenses, mas há perspectiva de que se amplie. Em solidariedade aos palestinos, o grupo guerrilheiro xiita libanês Hezbollah tem fustigado Israel com bombardeios e também sofre retaliações dos militares israelenses. Há grande possibilidade de que esse conflito ganhe novos atores. O Irã tem ameaçado agir contra os israelenses (fez isso só indiretamente, armando guerrilhas proxy, como o Hezbollah e o Hamas). Já Israel avisa que reagirá com vigor contra qualquer ameaça iraniana. Além deles, os Houthi (xiitas do Iêmen) têm lançado ataques esporádicos ao território e a navios israelenses. O conflito só não se tornará multinacional se os países do Golfo Pérsico (as monarquias do petróleo) mediarem negociações.
Guerra civil no Sudão
O mundo pouco falou sobre isso, mas o Sudão está em guerra desde o início de 2023. O exército oficial e as Forças Paramilitares de Apoio Rápido (RSF), duas facções muçulmanas que já foram aliadas contra rebeldes cristãos, se desentenderam pelo poder e travam há quase um ano um conflito que já deixou milhares de mortos. Milhões de pessoas fugiram, causando uma tremenda crise humanitária. Os paramilitares têm levado vantagem, sendo dominantes no oeste do país africano e até na capital, Cartum. Os Estados Unidos tentam um cessar-fogo na região.
Lutas étnicas em Mianmar
Mianmar (a antiga Birmânia) está mergulhada no caos há três anos, desde que uma junta militar depôs a conselheira de Estado Aung San Suu Kyi, filha de um herói da independência dessa antiga colônia britânica no Extremo Oriente. No início de 2023, a situação se agravou. Setores de oposição ao regime militar aderiram à luta armada e conseguiram apoio de diversos grupos étnicos minoritários no país, que sempre foram perseguidos pelo governo central. Os rebeldes já tomaram capitais provinciais e infligiram duras derrotas ao Exército. O conflito pode se agravar ainda mais porque a China apoiava Aung San Suu Kyi e algumas milícias étnicas do nordeste de Mianmar.
Tribo contra tribo na Etiópia
O governo federal etíope tem sido fustigado por três milícias tribais - e rivais entre si: os Tigray, os Oromo e os Amhara. Todos desconfiam de todos e todos são inimigos eventuais do governo e aliados eventuais, a depender da conjuntura. Há também dificuldade nas relações entre o governo etíope e a vizinha Eritreia, com quem já teve guerras no século 20. A perspectiva para 2024 é de continuidade nessas disputas étnicas milenares.
Milícias muçulmanas e golpes nos desertos africanos
A região desértica no coração da África conhecida como Sahel, situada ao sul do deserto do Saara, é palco, há mais de uma década, de guerras civis intensas. Sobretudo no Mali, onde se digladiam tropas do governo (que controla o sul, mais verde e florestado), fundamentalistas ligados ao Estado Islâmico e rebeldes tuaregues seminômades. A situação piorou com golpes de Estado ocorridos em países vizinhos ao Mali, como Burkina Faso e Níger. Ambos agora estão sob influência russa. Todos estão unidos contra os extremistas islâmicos, mas fora isso, mantêm rivalidades regionais. É um barril de pólvora que continuará com rastilho aceso em 2024.