O ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro (PL), tenente-coronel Mauro Cid, sacudiu o mundo político ao declarar para a Polícia Federal que o então presidente tentou convencer os militares federais a participarem de um golpe de Estado. Isso teria ocorrido antes das eleições (ao determinar aos militares que fizessem auditoria nas urnas eletrônicas, que colocou em dúvida a inviolabilidade desses equipamentos) e depois do pleito, quando debateu com a cúpula das Forças Armadas a possibilidade de decretação de Estado de Sítio, anulação das eleições e até prisão de adversários.
Ao ter negadas suas pretensões de apoio militar para se manter no poder, Bolsonaro viajou para os Estados Unidos e lá ficou, até depois de seu adversário Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assumir. Ele teria inclusive determinado que joias recebidas como presentes de governos estrangeiros, quando era presidente, fossem vendidos nos EUA, revelou Cid, que foi um dos intermediários dessa comercialização.
Por que Cid fez essas revelações? Quais as condições ambicionadas por ele, em troca da colaboração premiada? Este colunista conversou com fontes de Brasília e conseguiu algumas respostas.
Primeiro, a motivação. Cid era o faz-tudo de Bolsonaro, tinha admiração por ele, comungava dos seus princípios ideológicos e inclusive decidiu não se imunizar contra a covid-19, em sintonia com o chefe. Por que resolveu abrir os supostos segredos do ex-presidente? A resposta é que se sentiu abandonado. Quando foi preso por falsificação de cartões de vacinação, no início de maio, o tenente-coronel ainda nutria esperança de apoio total dos antigos parceiros de governo. Colheu mais silêncio do que manifestações favoráveis.
O próprio Bolsonaro, questionado a respeito da prisão de Cid, em 18 de maio, respondeu: "Peço a Deus que ele não tenha errado. E que cada um siga a sua vida."
O "cada um siga sua vida" soou para Cid como senha de que teria de arcar sozinho com as consequências de seus atos. Em paralelo, agentes da PF começaram a sondar seus defensores, na esperança de que ele aderisse a um programa de colaboração premiada. O antigo defensor era contrário a essa ideia e foi trocado. O novo advogado, o criminalista gaúcho Cezar Bittencourt, também sempre foi avesso a delações, mas notou que seu cliente estava num beco, criminal e institucional. Além de ignorado por seus colegas de farda.
O resultado é a colaboração premiada, cujo conteúdo tem respingado, aos poucos, na mídia. As condições para a delação foram homologadas pelo ministro Alexandre de Moraes, relator no Supremo Tribunal Federal (STF)) dos inquéritos que atingem Cid. Ele impôs uma série de condições ao ex-ajudante de Bolsonaro: uso de tornozeleira eletrônica, proibição de deixar Brasília e de circular à noite, entrega de passaportes, restrições ao uso de redes sociais, não se comunicar com outros investigados e suspensão do porte e posse de armas.
E o que Cid negocia em troca? A primeira condição foi aceita, sair do cárcere. Mas o tenente-coronel almeja muito mais. A meta é não ser condenado em nenhum dos casos em que é investigado. Os principais são falsificação de carteira de vacinação, venda de joias da Presidência da República e envolvimento em conspirações que poderiam levar a um golpe de Estado. Vai conseguir? Difícil, mas não impossível. A Lei 12.850, que regulamenta as colaborações premiadas, prevê até a extinção das penas para o delator que trouxer provas importantes sobre uma estrutura criminosa. Caso não tenha a punição extinta, a ambição de Cid é conseguir penas alternativas, que lhe permitam ter vida quase normal.
Existem outras condições na mesa de negociações. Uma delas é evitar que sua delação seja usada como prova contra sua família, incluindo o pai, o general Mauro Lorena Cid. Prestigiado na caserna, Cid pai também participou da venda de joias nos EUA, conforme a PF. O filho alega que o general apenas tentou ajudá-lo, ao saber que tinha recebido uma ordem do ex-presidente. Resta saber se isso será suficiente para absolvê-lo.
Por último, Cid deseja manter seus vencimentos, sem os quais terá problemas para sustentar a família. Afinal, vida de ex-preso é sempre difícil. O Estatuto dos Militares, das Forças Armadas, prevê que oficiais condenados por crimes na Justiça comum sejam submetidos a um Conselho de Justificação (espécie de tribunal militar) ou até a julgamento pelo Tribunal Superior Militar, se a pena a que foi condenado for superior a dois anos. Ele também perde posto, patente e condecorações, segundo o Código Penal Militar.
Ao driblar condenações na Justiça comum, Cid evitaria tudo isso. Manteria salário e o antigo status. Meio manchado, mas manteria. A ver as cenas dos próximos capítulos.