As jornalistas Bruna Oliveira e Carolina Pastl colaboram com a colunista Gisele Loeblein, titular deste espaço.
Enquanto a imagem do agronegócio brasileiro é colocada à prova em meio às queimadas, iniciativas que prezam pela produção sustentável ganham ainda mais valor. No coração do Brasil Central, onde arde parte dos focos de incêndio, há modelos que mostram que é possível produzir e preservar o ambiente ao mesmo tempo.
Em Rio Verde, no interior de Goiás, o Grupo Associado de Pesquisa do Sudoeste Goiano (Gapes) trabalha nesse sentido. Com o objetivo de fortalecer a produção sustentável de grãos na região e aplicar um manejo aliado à ciência, o resultado do trabalho é uma das melhores produtividades do Estado e do Brasil. São 43 associados aplicando a inteligência a favor da terra, integrando mais de 125 fazendas e 235 mil hectares de milho e soja no sudoeste goiano.
Engenheira agrônoma e presidente do Gapes, Flávia Montans apresentou o dia a dia da associação na Fazenda Brasilanda, do Grupo Kompier, que tem entre as suas frentes agricultura associada à pecuária de leite de precisão, usina de bioinsumos e práticas de agricultura regenerativa na implementação dos cultivos.
— Pesquisa temos bastante. Mas não tínhamos dados voltados às dificuldades específicas do produtor rural daqui. Para isso, nos juntamos, e é o que acontece há 24 anos. Desde 2011, o Gapes desenvolve suas próprias pesquisas — explica Flávia.
Em 2024, o grupo ganhou a formatação de Instituto de Ciência e Tecnologia. A partir de agora, poderão formar parcerias com universidades e angariar mais recursos. Antes, apenas os produtores associados bancavam as pesquisas.
A sustentabilidade na prática
O pioneirismo do Gapes se concretiza em várias frentes. O grupo encabeça a formação do primeiro consórcio de agricultura regenerativa do Brasil, com mais de 30 fazendas impactadas e 50 mil hectares transformados. O projeto estima produzir 200 mil toneladas de soja regenerativa certificada, com 100% das áreas cultivadas em plantio direto e aumento de uso de biológicos.
Atualmente, toda a área de associados do Gapes já adota o plantio direto — técnica que consiste na aplicação de palha após a colheita e antes do plantio para manter a microbiota do solo e evitar erosões.
Há também 50 hectares dedicados à pesquisa, em conhecimento aplicado por 42 colaboradores e em oito áreas diferentes. O trabalho busca sanar dúvidas, confirmar resultados práticos e realizar compras assertivas, a partir de produtos testados a campo.
O diferencial de produtividade dos associados chama atenção — e funciona como um estímulo para os produtores locais continuarem investindo em pesquisas e práticas sustentáveis. Na safra 23/24, a rentabilidade média da soja foi de 56,2 sacas por hectare no Brasil, enquanto na área do grupo foi de 70,8 sacas por hectare, superior também à média de Goiás, de 58 sacas por hectare. O mesmo se reflete no milho, com produtividade média saltando de 92,6 para 136 sacas por hectare entre a área brasileira e a dos associados.
Na Fazenda Brasilanda, associada ao grupo, uma das inovações é a cama do gado leiteiro, que vira, depois, adubo para as lavouras. São três barracões, cada um com capacidade para 400 animais. A técnica, chamada de compost barn, enriquece a terra produtiva ao ativar a atividade biológica do solo.
— A pecuária de leite, que antes era um problema (pela geração de resíduos, como urina e fezes), se tornou, então, a menina dos olhos da fazenda com a compostagem — salienta Patrícia Kompier, produtora e uma das proprietárias da fazenda.
A Brasilanda também está em largo processo de substituição de produtos químicos, como fertilizantes e defensivos. Para isso, possui uma biofábrica, que elabora bioinsumos e composto biofermentado para aplicação no solo. Marion Kompier, agrônoma, produtora e também proprietária, diz que a agrologia é a sustentação da produção local. A fazenda faz parte do Grupo Associado de Agricultura Sustentável (Grupo GAAS), uma união de produtores pela atividade sustentável.
— A gente veio de uma agricultura usando tanto químico que, se a gente não mudasse, não iria sair do lugar — reforça a produtora.
*A coluna viajou a convite da Fundação Dom Cabral, como parte do programa Agronegócio Em Perspectiva.