O jornalista Fernando Soares colabora com a colunista Gisele Loeblein, titular deste espaço.
É possível que passe despercebido por muitos porto-alegrenses, mas a capital gaúcha também tem espaço para a produção agropecuária. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), há 384 propriedades rurais em Porto Alegre. A Emater, que presta assistência técnica aos agricultores na zona rural, estima que são cerca de 500 unidades ativas na zona Sul da cidade.
A produção envolve quase 60 variedades de hortifrutigranjeiros. A área de agricultura, pecuária e silvicultura chega a cerca de 6 mil hectares, de acordo com a Emater, espaço que também exerce importante papel de conservação ambiental no município. Ainda assim, a atividade vem perdendo espaço ao longo das últimas décadas. Um exemplo disso está no pêssego, uma das culturas mais simbólicas da cidade. Desde a década de 1980, a área cultivada caiu de 600 para 20 hectares.
A coluna ouviu os candidatos à prefeitura de Porto Alegre para entender como enfrentarão os desafios ligados à zona rural e à produção no município. Confira as propostas de Manuela D’Ávila (PCdoB) e Sebastião Melo (MDB).
Porto Alegre é uma das poucas capitais no Brasil com produção rural, mas a atividade vem perdendo espaço nas últimas décadas. Que medidas pretende adotar para estimular a produção?
Manuela D’Ávila: Conforme o Censo Agropecuário 2017, Porto Alegre conta com 384 estabelecimentos agropecuários, dos quais, 211 classificados como da agricultura familiar, com 528 pessoas ocupadas. A área rural de Porto Alegre é fundamental para a capital da sustentabilidade, a capital verde que pretendemos construir, e a agricultura urbana e periurbana pode ser potencializada. Para isso, vamos estimular a produção e a comercialização de produtos saudáveis, facilitar o licenciamento, transporte e comercialização da produção agrícola do município e estimular o turismo rural, como forma de gerar renda e aproximar a cidade do meio rural.
Sebastião Melo: Nossa estimativa é que, atualmente, já sejam 750 propriedades rurais na cidade. Elas contavam com apoio da Divisão de Fomento Agropecuário (DAS) da Secretaria de Indústria e Comércio (SMIC), que foi extinta pelo último governo. A divisão mantinha também o Centro Agrícola na Lomba do Pinheiro. Além desse apoio, tínhamos eventos que estimulavam a produção, como as feiras do peixe e das colheitas do pêssego, uva e ameixa. São eventos que foram cancelados e podem ser retomados, observando normas sanitárias em função da pandemia. A atividade rural é importante também na questão ambiental e de subsistência na alimentação primária, e ainda para o resgate histórico dessa vocação da cidade.
O que pode ser feito para fomentar a participação dos agricultores de Porto Alegre nas compras da prefeitura, como as da merenda escolar?
Manuela D’Ávila: Porto Alegre é um dos poucos municípios que não compra da agricultura familiar (a prefeitura atualmente adota a prática de pregão pelo menor preço para comprar os alimentos, o que dificulta a participação dos agricultores familiares), descumprindo a legislação. Vamos criar um programa de compras institucionais da agricultura familiar e vamos cumprir a legislação, garantindo, no mínimo, 30% da agricultura familiar para a alimentação escolar. Vamos potencializar as feiras modelo e as feiras ecológicas, especialmente nos bairros, aproximando os produtores dos consumidores. A capital conta com, pelo menos, 35 feiras modelo e 12 feiras ecológicas.
Sebastião Melo: O que precisa é de vontade política. A prefeitura querendo comprar, os produtores querem vender. É bom para eles e é bom para a cidade, que vai contar com alimentos frescos, saudáveis e de qualidade. Temos que organizar e retomar as compras públicas dessas propriedades, articulando com a Secretaria da Educação (SMED) para inclusão na merenda. Quando o bolinho de peixe fazia parte da merenda, a estimativa é que eram consumidas cerca de 600 toneladas por ano. Isso parou e tem de ser retomado.
A lei 12.328, de 2017, definiu prazo de 15 anos para a zona rural de Porto Alegre se transformar em área de produção livre de agrotóxicos. A sua gestão se comprometerá com esse objetivo?
Manuela D’Ávila: Temos compromisso com este objetivo, que dialoga com a capital da sustentabilidade que vamos construir. Para isso, vamos garantir assistência técnica aos agricultores, articular pesquisas, potencializar os canais de comercialização dos produtos e cumprir a Lei 12.125/2016, que obriga o Executivo adquirir produtos orgânicos para a alimentação escolar, assegurando qualidade na alimentação e garantia de mercado para a produção orgânica.
Sebastião Melo: Essa é uma questão que temos de discutir com os produtores. A prefeitura pode traçar práticas de incentivo para agricultura orgânica. Tem propriedades que já trabalham exclusivamente com orgânicos, mas tem outras que ainda precisam dos pesticidas para suas produções, assim como produtores animais que precisam de vacinas para o rebanho. O universo (de produtores) é muito grande e diverso, e temos que apoiar cada propriedade em suas necessidades.
Como pretende enfrentar problemas como o avanço de loteamentos irregulares e da especulação imobiliária na zona Sul?
Manuela D’Ávila: A especulação imobiliária e os loteamentos irregulares são fruto da falta de uma política de desenvolvimento urbano. Nosso programa de governo propõe um planejamento urbano orientado pelo interesse público. Vamos implementar uma forte política de regularização fundiária, instituir a participação social na gestão da política urbana, fortalecer os conselhos de desenvolvimento urbano e habitação e as instâncias que garantam a participação efetiva dos moradores.
Sebastião Melo: Uma das soluções pode ser verticalizar bairros que tem espaço e infraestrutura para esse crescimento. Isso também é mais viável do que levar infraestrutura para os extremos da cidade, o que tem custo muito alto. Com regramento e fiscalização eficiente, evitamos a clandestinidade, assim como a pressão sobre a zona rural. Já a regularização fundiária é uma questão urgente. Temos que criar uma comissão de regularização com independência e poder de decisão para superar questões técnicas e destravar processos.
Muitos porto-alegrenses não conhecem o lado rural da Capital. Que medidas pretende adotar para impulsionar o turismo rural e iniciativas como o Caminhos Rurais?
Manuela D’Ávila: Em nosso programa, deixamos explícito que vamos impulsionar o turismo e, entre os segmentos, o turismo rural e a gastronomia. A pandemia fortaleceu a importância da produção local, da constituição de redes de comercialização e do turismo rural. Vamos realizar melhorias nas rotas e roteiros e apoiar eventos no meio rural voltados para a divulgação de atrativos culturais, ambientais, gastronômicos.
Sebastião Melo: Ainda são poucas propriedades, mas muitas tem vocação e condições de integrar esse grupo. Precisamos também buscar um novo modelo de desenvolvimento turístico, pautado no associativismo e no protagonismo da comunidade local. Com orientação e capacitação da Secretaria de Turismo, as propriedades rurais são perfeitamente capazes de operar nas novas diretrizes da pandemia. Elas se adequaram e estão seguindo as orientações sanitárias. Com o apoio da prefeitura, podem se capacitar e adequar às regras da hotelaria e funcionar também como hospedaria.