O que deixou o impacto da enchente ser tão avassalador no Rio Grande do Sul? O que fazer para evitar essa força? Perguntas da coluna ao climatologista Carlos Nobre, doutor em meteorologia no Massachusetts Institute of Technology (MIT), nos Estados Unidos, durante entrevista ao Gaúcha Atualidade, da Rádio Gaúcha. Ele foi recentemente eleito “Guardião Planetário”. É o primeiro brasileiro a fazer parte do grupo internacional Planetary Guardians, que reúne pesquisadores e ativistas em prol de estudos sobre ação climática e proteção de comunidades vulneráveis. Confira trechos abaixo e ouça a íntegra no final da coluna.
Quanto do que aconteceu no Rio Grande do Sul foi provocado por nós mesmos e quanto faz parte do que o mundo inteiro provocou?
Se a maior parte das matas ciliares de todos esses rios do Rio Grande do Sul não tivesse sido desmatada e fossem mantidas as florestas nas encostas, o solo teria absorvido muito da chuva e essas enchentes seriam de 20% a 30% menores. Lógico que foi um recorde de chuva, mas seriam menores. Vemos países implementando soluções para serem mais resilientes a esses fenômenos de chuvas muito intensas e volumosas. Tem, por exemplo, o que se chama de esponja urbana natural. Tem a de infraestrutura para absorver excesso de chuva e colocar em piscinas subterrâneas. Mas China, Coreia do Sul, Taiwan, Holanda e França fazem a chamada esponja urbana com vegetação.
Como resolver aqui?
Restauração florestal, principalmente nas margens dos rios, nas encostas. Diminuirá, sem dúvida, a gravidade dos próximos eventos. Não será totalmente eliminado, porque esses recordes não voltam mais para trás, mas é muito bom buscar soluções que vários países já conseguiram, com esponja natural ou urbana. O Brasil é um dos países com menor quantidade de florestas nas cidades. Além de segurar mais, a água entra no solo com a floresta e não corre direto para a rua, que alaga. A restauração florestal também baixa a temperatura. São Paulo é a cidade com a maior ilha de calor urbano, com excesso de concreto, de asfalto, o que aumenta muito a temperatura. Fica 3,5 graus mais quente do que, por exemplo, áreas da mata atlântica na mesma altitude. Porto Alegre também tem esse efeito. Restaurar a vegetação cria um microclima muito adequado para nós humanos e remove de 20% a 30% dos poluentes. São soluções baseadas na natureza, mas também, logicamente, tem que ter infraestruturas muito mais resilientes.
Tem se discutido mudar cidades de lugar ou partes delas ao menos. Isso se faz no mundo?
Com os eventos extremos devido ao aquecimento global, as cidades têm que ser repensadas e é uma política que já vem sendo discutida mundialmente. A ciência mostra todos os riscos, onde as partes das cidades muito vulneráveis devem ser reconstruídas e como tornar a infraestrutura mais sustentável. Falei dos piscinões, mas também tem um asfalto que deixa a água da chuva percolar. Começa a se desenvolver no mundo, mas não existe praticamente nada disso no Brasil. Da bacia do Rio Taquari, vi entrevistados do lado das suas casas derrubadas falando "eu e minha família não podemos mais voltar para aquele lugar". Até as populações já estão percebendo que têm que encontrar outros locais. O Brasil tem enormes áreas, não há falta. Mas lógico que muitas cidades têm que ser recolocadas. Não precisa ir longe. Em algumas centenas de metros, há áreas mais elevadas. Mas não pode ser encostas, porque desliza. Esse desenho tem que ser feito em todo o Brasil, especialmente no Rio Grande do Sul. Centenas de bilhões de reais serão gastos para refazer partes das cidades afetadas.
Ouça a entrevista na íntegra:
Coluna Giane Guerra (giane.guerra@rdgaucha.com.br)
Com Guilherme Jacques (guilherme.jacques@rdgaucha.com.br) e Guilherme Gonçalves (guilherme.goncalves@zerohora.com.br)
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