O público do cinema mudou de hábito. Primeiro, muitos trocaram salas de rua pelas instaladas em shoppings. Depois, um número considerável de clientes acabou optando pelo conforto do sofá com a disponibilidade de serviços de streaming. Os imóveis onde funcionavam antigos cinemas de rua de Porto Alegre acabaram dando lugar a negócios variados, que vão de supermercado a academia. Guilherme Gonçalves, que atua aqui na coluna Acerto de Contas, esteve em 21 deles. Hoje, começamos contando como estão sete destes locais.
Cacique e Scala
Por anos, o Centro Histórico foi a região da cidade com mais cinemas de rua. Um deles foi o Cacique, na Rua dos Andradas. Inaugurado em 1957, o espaço tinha ar-condicionado, poltronas estofadas e numeradas, revestimento para melhorar a acústica e quatro bilheterias. No térreo do Edifício Cacique, dividia espaço com uma confeitaria. A sala comportava 1,7 mil pessoas na parte inferior e 700 no mezanino. Em 1970, a Taba Cine-Teatros, que operava o cinema, transformou o mezanino e a confeitaria no cinema Scala, que ficou com 658 poltronas. Em 1994, ambos fecharam. Atualmente, o espaço é ocupado por um supermercado Zaffari de 1,2 mil metros quadrados inaugurado em 2016. Foram preservados elementos do antigo cinema, como azulejos brancos, tijolos expostos e quadros nas paredes que mostram os tempos de ouro do Cacique. No andar de cima, funciona o restaurante Via Natural, com bufê de comida saudável.
Cine Victória
Reaberto no ano passado, o Cine Victória recém fechou suas portas novamente. Inaugurado em 1940, o então Cine Teatro Vera Cruz ocupava grande parte de um prédio na esquina da Avenida Borges de Medeiros com a Rua Andrade Neves. Em 1952, fechou, passou por uma reforma e reabriu no ano seguinte com novo nome. Em 1998, ocorreu o segundo fechamento. Após nova reforma, o cinema passou a ocupar apenas o mezanino, com duas salas. O acesso passou a ser apenas pela Borges de Medeiros ou pela Rua 24 Horas. Na parte da entrada pela esquina, funcionou por anos uma loja de lâmpadas e abajures e, hoje, tem uma unidade da Severo Roth, de eletrônicos. A outra está para alugar. Mas e o cinema? Após ter fechado em 2018, ficou desocupado por cinco anos, até reabrir em 2023 com a bandeira Cult Cinemas, que possui unidades em Alegrete, Ijuí e Santiago. Em junho deste ano, o Cine Victória fechou novamente. Mesmo vendendo ingressos a R$ 10, a sócia Cristiane Brandolt diz que teve prejuízo de R$ 300 mil na operação.
Baltimore e Bristol
O Cine Teatro Baltimore inaugurou em 1931, na Avenida Bom Fim (atual Avenida Osvaldo Aranha). Além da sala de cinema, com capacidade para receber 1.848 espectadores, o complexo contava com salão de baile no andar superior. O prédio, com fachada em estilo Art Déco, foi projetado por Willi Paul.
Em 1970, o salão foi transformado em outra sala de cinema, chamada, primeiro, de Mini Baltimore e, depois, em 1975, de Bristol. O Baltimore se destacou pela sua gigantesca tela em curva e o Bristol pela programação com filmes "cult". Mais tarde, o espaço foi dividido em quatro salas menores. A última sessão foi exibida em 2000. Em 2003, o cinema foi demolido após disputa judicial com o dono do vizinho Bar João. No local, foi construído um condomínio da Melnick.
Cinema 1 (Vogue)
Em 1959, no térreo de um edifício na esquina da Avenida Independência com a Rua Garibaldi, foi inaugurado o Cinema Vogue. Nos primeiros anos, a programação era dedicada a um público com "bom nível econômico e cultural", conta o livro The End - Cinemas de Calçada de Porto Alegre, de Cristiano Zanella.
Em 1984, passou por reforma e mudou de nome para Cinema 1 - Sala Vogue. Naquele ano, foi assinado contrato com a produtora francesa Gaumont para passar filmes europeus. Anos mais tarde, com a força dos cinemas nos shoppings, o espaço fechou. Hoje, o imóvel tem uma farmácia Panvel e uma cafeteria temática chamada Cine 1, em homenagem ao antigo cinema com decoração de cartazes dos filmes que eram exibidos. O estacionamento ainda é usado por moradores do prédio.
ABC
No bairro Cidade Baixa, foi inaugurado em 1914 o Garibaldi, próximo à Praça Garibaldi, na Avenida Venâncio Aires. Era considerado um cinema de médio porte, com capacidade para 1.054 pessoas. Aos poucos, caracterizou-se por ser um cinema de bairro, reprisando filmes já rodados em salas do Centro Histórico.
Em 1962, trocou de nome para se chamar Cine ABC e com uma programação de filmes "cult". Foi assim até 1994, quando encerrou as atividades. Quatro anos depois, o imóvel foi vendido e reformado para outras finalidades. Desde 2013, tem uma academia, que, desde 2016, é da rede Moinhos Fitness.
Carlos Gomes
Um dos maiores da Capital, o Cine Theatro Carlos Gomes inaugurou em 1923 na Rua Vigário José Inácio, no Centro Histórico, com espaço para reprodução de filmes, apresentações de teatro, shows de orquestras e números de mágica. Havia lugares para mais de 2 mil espectadores, com mezanino e camarotes.
Entre 1942 e 1971, o Carlos Gomes ofertava sessões duplas ao preço de uma. Na década de 1980, começou a passar filmes pornográficos. Em uma época em que o gênero ainda era novidade, o público aumentou e as filas faziam volta na quadra. Porém, na década seguinte, o público começou a diminuir. Em 2000, foi feita uma tentativa de retomar espetáculos ao vivo, com teatro de sexo explícito, mas não deu certo. Em 2002, encerrou as atividades. Por alguns anos, o prédio abrigou uma filial da igreja pentecostal da Assembleia de Deus. Depois, foi comprado pela Lojas Pompeia, que reformou toda a estrutura e montou uma de suas maiores operações no Estado.
Marrocos
Inaugurado em 26 de setembro de 1953, o cinema Marrocos ficava na Avenida Getúlio Vargas, quase na esquina da Rua José de Alencar, no bairro Menino Deus. Começou com uma grande sala de mais de mil lugares. Além de projetar filmes, o palco em frente à tela recebeu peças de teatro, programas de rádio e até eventos, como formatura. Em 1964, o espaço passou por uma reforma e reabriu com um estacionamento no prédio ao lado. Trinta anos depois, passou seu último filme. Entre os motivos para o fechamento, estavam a perda de público para salas de shopping e o custo das obras exigidas pela prefeitura para melhorar a segurança contra incêndios. No mesmo dia, também fecharam os cinemas Capitólio e São João. Chegou a se planejar a construção de um shopping no local, mas o projeto não saiu do papel. Hoje, o prédio tem uma farmácia Panvel, uma barbearia e um estacionamento, que mantém o teto original do Cine Marrocos. O palco e o espaço da plateia são ocupados por carros.
Colaborou Guilherme Gonçalves
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Coluna Giane Guerra (gianeguerra@rdgaucha.com.br)
Com Guilherme Jacques (guilherme.jacques@diariogaucho.com.br) e Guilherme Gonçalves (guilherme.goncalves@zerohora.com.br)
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