É chover no molhado dizer que cada vez mais é preciso organizar as finanças para a aposentadoria. A reforma da Previdência foi aprovada e conseguir uma rentabilidade em tempos de juro baixo é tarefa difícil. Quanto antes começar a poupar, melhor. Mas e quem não fez isso? Muita gente começa a refletir sobre a aposentadoria quando vira a esquina dos 50 anos. Sem a magia do juro composto, é preciso tomar medidas mais drásticas no orçamento familiar. Mas não desista, porque ainda é possível.
Planejadora financeira, Leticia Camargo fala que o primeiro passo é entender as receitas e as despesas. Sugere que a pessoa faça o seu próprio fluxo de caixa, assim como as empresas.
— Pode ser elaborado por meio de aplicativos, em planilha ou até em um caderninho.
Por meio da matemática financeira, é possível saber o quanto será necessário ter em uma reserva financeira para parar de trabalhar. Confira abaixo trechos da entrevista com a especialista no programa Acerto de Contas (domingos, às 6h, na Rádio Gaúcha). No final da coluna, ouça ainda o áudio completo.
Acerto de Contas - Depois dos 50 anos, ainda dá tempo de guardar dinheiro para uma boa aposentadoria?
Leticia Camargo - Sempre é melhor começar hoje do que não começar. Claro que, com esses juros mais baixos, está cada vez mais difícil rentabilizar o patrimônio que você vai guardando para a aposentadoria. Hoje, é mais difícil você conseguir que os juros sobre juros ajudem, porque estão cada vez mais baixos. A taxa de juro real, que é aquela que realmente vai fazer com que aumente o seu poder de compra, está mais baixa.
Mas aí a frequência e o valor dos depósitos precisam aumentar...
Pois é. O valor mensal a ser guardado terá de ser maior. Além disso, como as taxas de juro estão em baixa, você eventualmente precisará contribuir por mais tempo, adiando um pouco a aposentadoria.
Tem como dar uma ideia de valores?
Isso é muito relativo, porque depende de uma série de fatores. Primeiro, de quanto ganha, quanto gasta e quanto vai conseguir economizar por mês. Depende também do padrão de vida. Algumas pessoas conseguem viver tranquilamente com um salário mínimo. Já para outras, dez salários mínimos podem não ser o suficiente. Para fazer um valor, é preciso entender como é a vida dessa pessoa. Além disso, também depende do perfil de investidor. Se a pessoa tem um perfil mais conservador, vai investir em produtos que tenham menos risco e, consequentemente, menor rentabilidade. Então, para compensar os juros mais baixos, esses aportes mensais têm de ser maiores.
Tu és planejadora financeira e faz isso para clientes. Recebe muitas pessoas na faixa etária dos 50 anos que não pouparam para aposentadoria ainda?
A maior parte dos clientes que me procuram tem entre 45 e 55 anos. Quando chegam perto da aposentadoria, eles começam a se preocupar. É muito interessante. Eventualmente, a pessoa vai precisar sair do seu imóvel maior e ir para um local menor, usando parte da diferença como reserva. Também terá de repensar o padrão de vida. Se a pessoa, já aos 45 ou 50 anos, conseguir ficar um passo abaixo, com um padrão de vida um pouco mais minimalista, então ela vai nutrir uma poupança maior e suas necessidades de renda lá na frente, como ela já se acostumou com esse padrão de vida mais simples, também vão ser menores. Então, às vezes, a solução é repensar o padrão de consumo o quanto antes.
Tu ajuda os teus clientes a fazer essa reflexão?
Sim, a gente faz um trabalho de preencher um aplicativo, uma planilha, o que quer que seja, com aplicações, receitas e despesas. A pessoa pode analisar o padrão de gastos para ver se está gastando naquilo que é importante para ela. Eu, pessoalmente, tenho procurado viver uma vida cada vez mais simples e a gente percebe que é possível. Para que ter a última versão do celular? Para que tanta roupa? Consumir menos faz com que você consiga juntar mais. Isso impacta lá na frente, na sua tranquilidade financeira.
Além de não ficar gastando com juros, né...
Aí o desafio é maior ainda. Pode acontecer que você, já com alguma idade, ainda esteja endividado. Então, tem que fazer o primeiro trabalho, que é sair do endividamento para depois começar a poupar.
Um erro comum é achar que ter uma previdência privada vai garantir uma aposentadoria como se fosse um passe de mágica.
Olha, isso acontece. Por exemplo, pense que você tá no início de carreira e decida aderir a uma previdência privada. Digamos que você ganhe dois salários mínimos. Aí, passa o tempo e você chega ao auge da sua carreira, ganhando cinco vezes mais. Se você sobe de cargo, seu salário é maior do que quando você começou a previdência. Então, é preciso ajustar a contribuição conforme for aumentando o salário e o padrão de vida. A previdência privada que você irá usar lá na frente depende da quantidade e do valor dos aportes. Não é uma mágica.
Algum caso curioso com clientes?
Já tive um cliente que tinha um imóvel com um valor alto e queria vendê-lo, fechar sua empresa de contabilidade e passar a viver da renda do bem. Só que ele estava considerando juros de 1% ao mês, como se pudesse usar toda essa rentabilidade. A questão é que, se você gastar todo o juro, você vai estar "comendo" seu capital, porque uma parte é a inflação. Você só pode utilizar o que for acima disso para que o poder de compra do dinheiro que fica seja atualizado. Ele percebeu, então, que não poderia fechar a empresa.
Independente do perfil do cliente, qual o investimento "queridinho" do momento para as pessoas guardarem o dinheiro?
As pessoas estão tendo a consciência de que estão precisando arriscar um pouco mais, pensar mais em fundos multimercado, por exemplo. Devem cogitar um pouco de renda variável, nem que seja um fundo de ações que siga o Ibovespa, que seja mais conservador, que tenha menos riscos. Os juros das rendas fixas são muito baixos. Vai precisar diversificar.
No caso de ações de empresas, gosta das que são boas pagadoras de dividendos?
Acho que a pessoa pode ter uma carteira de dividendos, mas eu acho que seria importante que ela tivesse ajuda de um consultor porque, eventualmente, muda alguma coisa na empresa ou na regulação. Então, se você simplesmente comprar um papel, sentar em cima e nunca mais rever aquela carteira, pode não ser a melhor das opções. Eu fico um pouco receosa para pessoa física. Algumas são interessadas, estudam, analisam a empresa, mas outras não têm tempo ou aptidão.
Teria como dar um exemplo de uma pessoa que almeja uma renda mensal de R$ 5 mil quando parar de trabalhar?
Vamos considerar um pessoa de 50 anos, com perfil conservador de investimento e que irá se aposentar com 65. Teria, portanto, ainda 180 meses de contribuições. Ela poderia economizar R$ 1.550 ao mês, aplicando no título Tesouro IPCA, com 3,16% de juro real, em média. Considerando uma expectativa de vida de 20 anos, ela irá receber de INSS R$ 3 mil e mais R$ 2 mil de complementação mensal durante os 240 meses.
Saiba mais, no programa Acerto de Contas. Domingos, às 6h, na Rádio Gaúcha. Ouça aqui:
Colunista Giane Guerra (giane.guerra@rdgaucha.com.br)
Colaborou Daniel Giussani (daniel.giussani@zerohora.com.br)
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