A Páscoa é Ressurreição. Antes dela, porém, veio a derradeira frase na cruz e, logo, a morte: "Pai, perdoai-os, pois não sabem o que fazem".
Lembro-me disso agora quando, de súbito, o país descobre a violência albergada há tempos no dia a dia da politicalha e a repudia como se fosse coisa nova. Os ovos podres, as vaias, faixas e empurrões, depois os tiros contra a caravana de Lula da Silva, são apenas a triste amostra de que já ninguém sabe o que faz. Em vez de debater (ou rebater) ideias ou soluções, cultiva-se o achincalhe e o terror.
Os tiros a esmo contra o ônibus da caravana podem lembrar as chibatadas e torturas na Via-Crúcis, antes do assassinato no Monte Gólgota. Mas, também, mostram a caravana como um cortejo fúnebre exibindo um cadáver vivo e falante, que se despedia da glória de ter sido o que foi unicamente por ter chegado ao que chegou.
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Nisso tudo, vidente mesmo (ou cartomante) foi a senadora Gleisi Hoffmann, presidente do PT, ao profetizar: "Para prender Lula, vão ter de matar...".
Ali, plantou a incitação ao confronto violento e sem limites, semente que a ignorância fez germinar e florescer. Tal qual a demente direita, a direção do PT nunca se libertou da herança espiritual da ditadura. Raivosa, remissa ao diálogo, transmitiu aos militantes a visão de que "inimigo" era quem não fosse o que eles eram. (No poder, fez pactos até com o direitista PP, mas alimentado pela corrupção).
Recordo o comício de Lula, em Porto Alegre, em 1989, no segundo turno contra Collor. No turno inicial, no Estado, Lula obtivera apenas 5% dos votos e Brizola ultrapassou 51% e ali estava como grande líder e astro. Mas, ao discursar, uma vaia estridente e longa partiu do grupo do PT junto ao palanque.
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Filha do totalitário "pensamento único", com os anos essa visão acirrou ânimos e, como surto epidêmico, contagiou até nomes respeitáveis da política.
Brotaram surpresas. A senadora Ana Amélia Lemos, por exemplo, chegou a sugerir (em reunião do PP) que a caravana de Lula fosse recebida "a relho". Lúcida e correta, ela é a única dos nossos três senadores cuja atuação lembra o tempo em que o Senado reunia nomes de passado ilustre e presente ativo. Mesmo assim, sofreu a contaminação dos soldados romanos da Via-Crúcis...
E na caravana, pessoas de vida limpa, como Olívio Dutra, Tarso Genro e outros, integraram um cortejo que desafiou e repeliu a Justiça, sem nada propor ao país. Oxalá a nova Via-Crúcis conclua aí.