A vida de Eva Sopher teve o tom vigoroso de um romance de ação, em que os desafios e dificuldades se entrecruzam e são vencidos. Depois, sobrevivem a tudo, até à morte. Agora, as cinzas de dona Eva estarão sob uma paineira do pátio do Theatro São Pedro, como símbolo mágico a vigiar tudo o que ela fez pelas artes e a cultura.
É difícil ser fera e bela ao mesmo tempo. Ser feroz e tenaz em defesa do belo sem jamais perder a ternura é algo de alguns poucos, e dona Eva foi um deles.
Em 1973, em plena ditadura direitista, sua tenacidade produziu um milagre: evitou que o abandonado teatro virasse shopping center. A cultura e as artes viviam sob contínua degradação (que hoje tenta ressurgir) e ela formou um pequeno grupo de resistência, que cresceu e venceu.
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Desde então, ela é símbolo de um estilo de ação que desaparece da vida pública. A liderança não a corrompeu. Nunca buscou vantagens pessoais. Sabia que administrar é construir e somar para a coletividade, jamais para si.
Foi decidida e incisiva. Até briguenta. Mas brigava por posições, às claras; nunca para locupletar-se e se ocultar. Apontava o dedo mandando o espectador tirar os pés do gradil do teatro com a mesma fúria e naturalidade com que desprezava quem lhe oferecesse propina em obras ou compras.
Fui cúmplice de dona Eva algumas vezes. Ela me relatava dificuldades e me pedia divulgar. Foi assim, por exemplo, quando o atual governo cortou parte do orçamento do teatro e não havia como trocar o telhado para evitar que o São Pedro se alagasse nas chuvas.
Em 1991, quando o governador recém empossado quis demiti-la, só a intervenção pessoal de Leonel Brizola impediu que o absurdo se consumasse e que um burocrata ou político ignorante a substituísse.
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Quando ela completou 85 anos, festejei aqui sua longeva juventude e a chamei de "menina". Na Alemanha natal, "mädchen" Eva sofreu a perseguição fanática do horror nazista e daí surgiu, talvez, a capacidade de resistir e jamais se dobrar à injustiça, buscando o belo pela cultura e as artes.
Além de ressuscitar o São Pedro na Capital, foi "madrinha" do Teatro 13 de Maio, em Santa Maria, obra do século 19, restaurado por pioneiros como ela e inspirados nela.
Por tudo, a Associação de Amigos do Theatro São Pedro deveria propor que o multipalco, que ela ideou, passe a chamar-se Complexo Eva Sopher. Seria uma forma de ter conosco essa perene menina, essa "mädchen" que tudo realizou com amor ferozmente belo.