O atual surto de febre amarela me faz recordar o de 1942, quando eu era guri. A diferença é que o governo Vargas armou um exército de "mata-mosquitos" que, de casa em casa, vasculhou o país orientando a população. Até a farda amarela era de guerra e a epidemia foi vencida rapidamente.
Agora, o surto volta ainda mais feroz no Rio, São Paulo e Minas, mas desdenhamos o perigo. Hoje, a guerra e os guerreiros são outros.
Febril, o país se enrosca na morbidez fanática, como se o julgamento de Lula da Silva fosse o dilúvio ou o Apocalipse.
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A decisão em torno do apartamento triplex virou estúpida celeuma artificial em que, nos dois lados, se deturpa a ética e se escamoteia a verdade.
Primeiro, no depoimento ao juiz Moro, Lula (em nojento gesto de desfaçatez) passou as responsabilidades à esposa já morta. Após a sentença, a chefe de gabinete do presidente do Tribunal Regional Federal (que julga o recurso do sentenciado) liderou, na internet, uma campanha pela prisão do ex-presidente. Qualquer pessoa poderia fazê-lo, menos ela, e com uma agravante: permaneceu na função.
Antes ainda, o presidente do Tribunal, Carlos Thompson Flores Lenz, em entrevista à imprensa, chamou a sentença condenatória de "tecnicamente irrepreensível". Todo jurista podia fazê-lo, menos o presidente do TRF-4, cuja função exige recato e isenção.
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Às vésperas da decisão, o ex-presidente e apaniguados fazem do julgamento um comício com fantasias e invencionices. Em reunião num teatro do Rio (a que chamou de "encontro com intelectuais") Lula atacou o desembargador Thompson Flores: "Ele é bisneto do general Thompson Flores, que invadiu Canudos e matou Antônio Conselheiro. É da mesma linhagem e talvez me veja como gente de Canudos", afirmou.
Tudo confusão e fantasia. Tomás Thompson Flores, tio trisavô do atual desembargador, era coronel, não general, e morreu em 22 de junho de 1897, três meses antes de o Exército matar Antônio Conselheiro, mulheres e crianças na chacina de Canudos...
No clássico "Os Sertões", Euclides da Cunha o define como homem "sem atributos de comando" e "sem serenidade de ânimo" Só isto!
A tríplice coroada Gleisi Hoffmann (senadora, presidente do PT e ré por suspeita de corrupção) pregou a baderna maior: "Para prender Lula, vão ter de matar..."
E a área do TRF-4 em Porto Alegre, virou praça de guerra. O sensato apelo de Dilma Roussef à cordura pode desarmar os fanáticos nos dois lados? Ou a insensatez é febre de todas as cores?