O nascimento e a morte são sagrados. Neles se assenta a vida e, por isto, o Dia de Finados tem um toque sacrossanto de recordação e respeito que, porém, desaparece aos poucos. A visão de "feriadão", com lazer e entretenimento, suplanta a homenagem à vida dos mortos.
Dia 1º, ao entardecer, o aeroporto e a rodoviária estavam repletos, num ir e vir eufórico por "enforcar" a sexta-feira. Junto à rodoviária, escondendo-se de si mesmos nos muros, centenas de jovens usavam crack. No trajeto para o aeroporto (na Comendador Azevedo, junto à Farrapos), deitados na calçada como se nada mais esperassem do mundo, outras centenas dormiam e se drogavam. A rua se transformara em depósito de mortos-vivos.
Ali e noutros pontos da Capital e do Interior, estão os novos cemitérios, onde a vida se enterra antes de que venha a morte. E nem no Dia de Finados percebemos que somos todos culpados ao não denunciar o crime... Logo após, assisti ao melhor e mais acreditado noticiário da TV e percebi as diferenças de época. Ao despedir-se da mocinha do tempo, a apresentadora lhe desejou "feliz feriado", como numa festa de Carnaval, sem a visão sagrada típica da data...
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Ao longo dos séculos, todas as culturas sacralizaram a morte para enaltecer a vida. De fato, respeitaram mais os mortos do que os vivos. As guerras, perseguições e tortura, ou os assassinatos frios de hoje para roubar o celular ou o carro (frutos da louca e cega cobiça gerada pela droga), mostram como a civilização se torna, também, demente selvageria.
Neste 2017, percorri os labirintos da vida de um ícone do século 20 que moços e idosos cultivam até hoje e, em outubro, lancei o livro As Três Mortes de Che Guevara. Pesquisei durante décadas, desde que o executaram na Bolívia em 1967, há 50 anos, e conto como ele começou a morrer em Cuba, bem antes, e logo agonizou no Congo.
Busquei explicar os sonhos, devaneios e frustrações do século 20, em que vida e morte se cruzavam na Guerra Fria e as superpotências de então (Estados Unidos e União Soviética) disputavam a hegemonia sem escrúpulos e sem atribuir valor à vida.
A herança disso é, hoje, a alienação de imensos setores sociais jovens, em que _ à vista de todos nós _ a droga cria vidas sem vida.
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P.S. _ Neste sábado, na Feira do Livro, às 17h30min, autografo As Três Mortes de Che Guevara. Ali, mostro como ele, em vida, relata a própria morte, sem nela colocar um ponto final.