A espionagem da CIA norte-americana montou, mundo afora, uma rede de controle que, com milhões de dólares e à base de fantasias e invencionices, abasteceu o fanatismo da extrema direita nos anos da Guerra Fria.
Faz uma semana, os jornalistas Carlos Rollsing e Rodrigo Lopes mostraram neste jornal trechos de alucinantes documentos da CIA envolvendo personalidades e, até, empresários do Rio Grande do Sul.
Acima de tudo, porém, ali está a ponta escondida do rabo do rato desvendando a velha desconfiança sobre fraudes na eleição presidencial de 1989, para evitar que Leonel Brizola chegasse em segundo lugar e, assim, disputasse o turno final contra Collor, em vez de Lula da Silva.
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Parte da documentação da CIA foi liberada ao público em dezembro de 2016, mas o fundamental continua "secreto", sonegado "em defesa da segurança nacional" (dos United States), com tarjas pretas encobrindo fatos, nomes, datas e quantias de milhões de dólares.
Nas partes liberadas aparecem claramente, porém, "as pressões de empresários brasileiros" para que "os altos escalões militares" perpetrassem um golpe de Estado antes da eleição presidencial de 1989. Não pretendiam voltar à ditadura, mas, sim, impedir a vitória de Brizola, então "imbatível" segundo todas as pesquisas
Só no século 22 se revelará tudo o que a CIA esconde desse mar de horror. Mas os documentos ora liberados revelam que o general e ex-presidente Ernesto Geisel rejeitou "firmemente" apoiar a "intervenção militar" ou servir de intermediário entre os "golpistas" e as Forças Armadas.
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O resto, sobre tudo o que a CIA fez a partir disso, são milhares de folhas ainda "top secret". Escondem 70% da documentação e serão conhecidas no todo só daqui a 75 anos.
Mas, se nada fez para evitar a primeira eleição presidencial após 21 anos de ditadura, por que a CIA esconde suas atividades no Brasil? Nas milhares de folhas "secretas", estarão outras ações, mais sutis e inteligentes do que a grotesca "intervenção militar"?
Na época, ninguém duvidada que, nos debates do segundo turno, o alagoano Collor seria "destroçado" pelo ex-governador do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul. E tudo se concentrou em erguer o então inexperiente Lula da Silva, principalmente em São Paulo, para levá-lo ao segundo turno.
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Aí surgiu o insólito: núcleos do partido de Brizola no interior paulista, sob pressão do dinheiro, optaram por Collor ou por Lula, indistintamente.
Brizola cometera o erro de deixar o PDT paulista nas mãos do vulnerável Adhemar de Barros Filho, velho politiqueiro que "trabalhou" em favor de Collor contra "o despreparado Lula", ou, noutros municípios, levou para Lula os votos de Brizola, "para evitar Collor".
Num país despolitizado pelos anos de ditadura, o dinheiro fácil acionou os "cabos eleitorais" ou, talvez até, a apuração de votos. E Adhemarzinho fez jus ao lema "rouba mas faz" do seu pai, o ex-governador paulista Adhemar de Barros...
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Em muitos municípios, Brizola apareceu com 30 ou 50 votos apenas, num escrutínio fácil de fraudar. Votava-se marcando um X (na cédula de papel) no retângulo com o nome de cada um dos 22 candidatos.
E a esperta CIA, habituada no mundo inteiro à farsa e ao engano através do suborno, deve ter aproveitado esse convite oficial à fraude...
Mesmo assim, a diferença entre Lula e Brizola foi de apenas 0,67% dos votos. Lula teve 17,18%, ou 11 milhões 622 mil. E Brizola, 16,51%, ou 11 milhões 168 mil sufrágios, terceiro entre os 22 candidatos.
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A sutileza da CIA, socorrendo Lula para destruir Brizola e facilitar a eleição de Collor, foi tática usual da espionagem. Ou, se não foi assim, o que escondem as tarjas negras nos documentos?
Em 1964, a CIA despejou aqui milhões de dólares para armar o golpe direitista e enviou a esquadra em auxílio aos rebeldes. Mas, em 1988, a Guerra Fria terminara e a sutileza valia mais do que a força bruta.
E, fantasiada como no Carnaval, a CIA fez em silêncio aquilo que os brutos pretendiam que fosse feito à ponta de fuzil.
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