A vitória avassaladora do PDB nas eleições municipais do último domingo retumba como advertência, mas é, também, confusa bússola a nos indicar o futuro. Há anos, juntei-me às vozes que denunciam os vícios que transformam a política partidária em agência de negócios e investimentos pessoais. Jamais pensei, porém, que a denúncia virasse aluvião e congregasse tantos, como agora.
A começar por nosso Alegre Porto, em nove capitais do país o PDB, Partido da Desesperança Brutal, obteve mais votos que o primeiro colocado na eleição de prefeito. Em nossa Capital, a desesperança (votos brancos, nulos e abstenções) englobou 34,8% do eleitorado, enquanto apenas 29,84% apoiaram o mais votado para prefeito. No dia seguinte à eleição, a austera informação deste jornal já nos levava ao fundo da questão: "Os que se recusaram a escolher um candidato chegaram a mais de 382 mil eleitores, número maior que os 213 mil votos dados a Nelson Marchezan".
Mais do que desesperança, aí está a desolação geral. Sem doutrina nem programas, quase todos os partidos se reproduzem como coelhos em jaula. Vazios, guiados pela publicidade, como se o voto fosse igual a vender pasta dental ou cerveja, a meta passa a ser o poder pessoal para obter vantagens não alcançadas pelo trabalho honesto.
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O triunfo da desesperança, porém, não é uma vitória, mas uma derrota. Quando a paralisia se apodera de nós, o perigo se aprofunda.
Se já não podemos acreditar em ninguém para nos governar, é sinal de que caminhamos rumo ao abismo. Corremos o risco de extraviar o conhecimento, perder a volição e nos alienar do mundo, transformando-nos em folhas secas que qualquer ventania empurra para todos os lados, sem rumo nem pouso. E aí, até sem perceber, caímos num precipício sem fim, na ilusão de que passamos a voar como pássaros.
A constatação é triste e terrível, mas visível até mesmo de olhos fechados.
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Com orgulho, todos frisam que, hoje, vivemos em democracia mais tempo do que os 21 anos dos diferentes governos da ditadura direitista implantada em 1964. Mas ainda carregamos às costas (sem perceber) muita coisa nefanda daquela época, a começar pela simulação. Nossa ditadura se dizia "democrática" e criou dois partidos, um do "sim", outro do "sim, senhor". E, assim, com concorrentes seguros, fazia até "eleição".
Talvez, por isto, hoje quase todos simulem e se transfigurem no que não são nem serão jamais. E, assim, vamos para frente andando de costas. Ou, então, olhamos o amanhã pelo espelho retrovisor, como se o futuro estivesse lá atrás e só o alcançássemos em marcha a ré.
Os eleitores perceberam a trapaça. Os votos em branco e nulos, somados à imensa abstenção ao longo do país, significam o repúdio à politicalha atual. É a rejeição da chamada "classe política", como agora advertiu Michel Temer, ele próprio um velho usuário dos benefícios dos profissionais da política.
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Na mastodôntica São Paulo, João Doria, do PSDB, apresentou-se "contra os políticos" e venceu no primeiro turno. Mas o ex-governador Alberto Goldman, vice-presidente nacional do próprio PSDB, impugnou a candidatura e o acusa na Justiça por "abuso de poder", por "comprar votos" (junto com o governador Alckmin) na convenção partidária, velho vício da politiquice...
Lá, na periferia da cidade, antigo reduto do PT, o voto nulo superou 20%, três vezes mais que nas áreas ricas. O quociente eleitoral diminuiu e (lembrou o jornal O Estado de S. Paulo) deu "maioria absoluta" a Doria, pois "nulos e brancos favorecem o mais votado".
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No Rio de Janeiro, onde brancos e nulos superaram 18% (indo a 41% com a abstenção) o bispo da Igreja Universal, Marcelo Crivella, do PRB, ex-ministro de Lula e Dilma, com 1 minuto e 11 segundos na TV, disputa o segundo turno com Marcelo Freixo, do PSOL, que (com apenas 11 segundos) mal pode dizer o nome, mas superou os grandes partidos.
De norte a sul, o asco e a desolação guiaram o eleitor e o Partido da Desesperança triunfou.
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