O Brasil não é só "o país do futuro", como profetizou Stefan Zweig. Somos também o país do presente excêntrico, em que tudo surge aos borbotões e o absurdo coabita com a normalidade. O conviver às vezes é tão próximo e tão íntimo, que até parecem inseparáveis irmãos siameses.
Os parâmetros e pontos de referência somem como se não existissem nunca. Nossos modelos de vida desapareceram da política, escasseiam no empresariado, são desprezados na ciência, nas artes e nas universidades. As novas igrejas (interessadas no materialismo dos cifrões) já não são refúgio do espírito. Não há modelos sequer no futebol, onde éramos exemplo para o mundo.
O povo, a população inteira, anseia por eles, não como messias, mas como honesta referência a que se apegar na trepidante (e trêmula) sociedade de consumo, que, a cada dia, nos impinge algo novo. Mas vemos só estátuas de areia, que o vento destrói. Ou joias de falso ouro, que enferrujam com o suor.
***
No Brasil, nenhuma análise ou interpretação, por profunda e sábia que seja, suplanta a descrição sumária dos absurdos de cada dia. Não repetirei o que digo há anos e que jornais, TV e rádio contam hoje sobre o conluio corrupto entre políticos e empresários oportunistas.
Os fatos falam por si e a avalanche de escândalos leva a indagar: quem se salva?
Agora, uma das últimas novidades é a prisão do ex-ministro do Planejamento, de Lula, e das Comunicações, de Dilma. Bem falante, com aparência de honesto, Paulo Bernardo, do PT do Paraná, teria recebido pelo menos R$ 7 milhões num engenhoso assalto a conta-gotas no sistema eletrônico de empréstimos consignados a servidores federais, num total de R$ 100 milhões em propinas: o doleiro Alberto Youssef, administrador da caixa do Partido Progressista (PP), fez desviar R$ 1 ao mês, um real apenas, dos milhares de devedores durante anos.
Mas isto é só amostra do que ainda aparecerá ao sol.
***
A seguir assim, o "governo de Salvação Nacional" anunciado por Michel Temer parece destinado a salvar figurões implicados com a Justiça. Em pouco mais de 30 dias, caíram já três ministros (todos do PMDB) acusados por diferentes falcatruas ou tentativas. Agora, o ministro da Educação está na mira e poderá ser o quarto.
No Ministério do Esporte, o novo secretário nacional de Futebol e Direitos do Torcedor é o ex-deputado mineiro Gustavo Perrela, do Solidariedade. Em 2013, o helicóptero de sua empresa (pilotado por funcionário do seu gabinete no Legislativo de Minas) foi apreendido com 445 quilos de cocaína pura. Escolhido a dedo por Temer, o novo líder da bancada do governo na Câmara Federal responde a vários processos judiciais, inclusive por assassinato.
Nenhum deles (e outros mais espalhados por diferentes partidos) seria inscrito sequer em concurso para bobo da corte, por falta de folha corrida policial...
***
Até respeitáveis mortos parecem ressuscitar para, com os acompanhantes vivos, mostrar o rosto oculto.
Em Pernambuco, em um motel, foi encontrado morto o diretor da empresa dona do avião em que Eduardo Campos, candidato à Presidência pelo Partido Socialista (PSB), morreu em 2014, num acidente. Testa de ferro da empresa fantasma que "lavou" mais de R$ 600 milhões desviados para a campanha de Campos e Marina Silva, ele estava foragido, com ordem de prisão da Polícia Federal.
Recordo do antigo PSB (pré-golpe de 1964), organizado no Rio Grande do Sul pelo advogado Germano Bonow Filho, cuja integridade pessoal e política era tão profunda e absoluta, que parecia cáustica, até, e me pergunto por que mentem, hoje, ao copiar velhas denominações sem compromisso com o que representam.
Pode intitular-se "socialista" um partido que apele à corrupção de empresa fantasma?
***
A lista dos absurdos da semana exige uma folha inteira do jornal. Mas nada foi tão cínico quanto alguns dos deputados citados na Lava-Jato que, em meneios de cabeça, simulavam concordar quando o procurador Deltan Dallagnol (coordenador da Lava-Jato) disse no plenário da Câmara, em Brasília: "A corrupção é assassina sorrateira, invisível e disfarçada".