E então Robbie não pode festejar como um russo? Você sabe, um dos hits do pop star britânico é "Party Like a Russian", na qual ele diz "é preciso um certo tipo de homem com um certo tipo de reputação para botar a mão na grana de uma nação inteira". Pediriam-lhe que não cantasse o sucesso que menciona o "moderno Rasputin" — até porque o próprio estaria ali, como de fato estava. Bem, seria como cantar "Vampiro", de Jorge Mautner, se a Copa do Brasil estivesse abrindo hoje, e não em 2014...
E assim, o bom e moço Robbie trinou fino feito um robin, ao lado da soprano russa Aida Garifullina, que leva ópera no nome. E em dueto, eles cantaram o sexo dos anjos em "Angels", canção inofensiva e açucarada como pop deve ser. Ainda mais o pop a serviço da Fifa e da rede de fast food, do refrigerante hegemônico, da companhia aérea, do cartão de crédito e dos demais patrocinadores masters que, sob o comando da entidade bem entrincheirada na sempre neutra Suíça, bem sabem embalar, rotular e vender uma paixão tão avassaladora e universal como é o futebol nesse planeta-bola.
E foi justamente por isso que Robbie e Aida só entraram em campo após a cacofonia publicitária explodir nos telões em meia dúzia de comerciais bem caros, de edição bem picotada e "esperta", produzidos especialmente para a foot-fest que ora se inicia, no país sob a batuta de Ras...ops, de Putin. E quem está a discursar na tribuna, após Robbie e Aida cantarem, Ronaldo Fenômeno fazer brevemente as honras que já foram de Pelé e Robbie Willians exibir um redentor dedo médio para o mundo, numa atitude rock'n'rol?
Ele: o senhor de todas as Rússias, o presidente eleito mais ditatorial do planeta, o homem dos 77% de aprovação, o cara que teria até ajudado a eleger Trump: Vladimir Putin, a bola da vez. Mas, de certa forma, Putin foi deixado a falar sozinho: dirigiu-se, é claro, aos 80 mil espectadores que lotavam o estádio Luzhniki (antigo estádio Central Lenin) e a bilhões de torcedores em todo o mundo. Mas nenhum chefe de estado das maiores nações do mundo dignou-se a dar as caras na Rússia. Putin falou palavras genuínas e verdadeiras, em especial quando fez uma ode, um cântico ao poder do futebol e disse que os russos se apaixonaram pelo jogo: "Foi amor à primeira vista, desde que a primeira partida foi jogada aqui, em 1897". Putin usou palavras mais inócuas e vazias do que o discurso publicitário que o antecedeu, quando louvou a paz, a harmonia e a igualdade entre os povos, nas quais ele nunca acreditou. Mas ele declarou os jogos "abertos" e ao presidente da Fifa, Giovanni Infantino, coube apenas um breve papel protocolar antes que a seleção dona da casa — com o saudoso Mário Fernandes na lateral-direira — entrar em campo para enfrentar a Arábia Saudita em um jogo digno do Brasileirão Serie B (apesar da goleada com direito a três golaços).
Claro que se espera mais — muito mais — do que está para vir. Mas o que será se a Fifa conseguir emplacar um Mundial com 48 seleções? Uma Copa tão cheia (de si) e tão esvaziada quanto os sonhos imperais do senhor Ras...Putin? Quem viver, verá.