Que calor insuportável! É a queixa que mais escuto.
Há anos os estudiosos nos alertam de que o planeta vinha sofrendo com o efeito estufa e que as consequências para a humanidade seriam imprevisíveis. O mundo reagiu à essa ameaça com displicência e descrédito. Apesar das evidências que se acumulavam, insistimos em viver perigosamente.
Os resultados do descaso e do negacionismo agora estão ao alcance de nossos olhos: calor infernal, inundações para todo lado, rios secos, vendavais e outros eventos destrutivos que assolam os cinco continentes. Sofrem todos: os países frios e os tropicais, os ricos e os pobres, as populações litorâneas e as do interior.
A humanidade começa a sentir na pele o impacto do aquecimento global na saúde. É só o começo.
Claro que as maiores tragédias atingem as populações que vivem em condições precárias e os mais vulneráveis: bebês e crianças pequenas, os mais velhos, as mulheres e homens com doenças crônicas, as pessoas desnutridas e as grávidas.
A revista Science, publicação oficial da Academia Americana de Ciência, faz uma análise das consequências do calor extremo na gravidez. Diversos estudos epidemiológicos realizados nas últimas décadas mostraram que enfrentar temperaturas altas durante a gestação pode provocar prematuridade fetal, baixo peso ao nascer, anormalidades congênitas e até morte fetal.
A prematuridade é a complicação que está documentada com mais detalhes. Uma revisão publicada em 2020 revelou que para cada aumento de 1º C na temperatura média do ambiente em que a grávida vive, o risco de nascimento prematuro cresce 5%. E que esse risco chega a aumentar 16% quando ela enfrenta ondas repetidas de calor intenso. Vale lembrar que prematuridade é a principal de causa de morte de crianças com menos de cinco anos, globalmente.
Estudos com pequeno número de participantes realizados em países mais desenvolvidos sugerem que a exposição prolongada ao calor aumenta os riscos de diabetes gestacional e pré-eclâmpsia, condição marcada por aumento da pressão arterial que pode evoluir com complicações graves, eventualmente fatais.
A seleção natural dotou os seres humanos de mecanismos biológicos complexos que nos permitem manter em 37º C a temperatura dos órgãos internos. Para tanto, precisamos ser capazes de perder calor na mesma velocidade em que a temperatura do corpo aumenta. O mecanismo mais eficiente para tal controle é a sudorese. Ao evaporar, o suor que escorre pelo corpo retira calor da pele e abaixa a temperatura do organismo.
Na grávida, a termorregulação fica prejudicada. Entre outras razões, porque seu peso aumenta à medida que o feto cresce, enquanto a superfície da pele que ela dispõe para dissipar o calor continua a mesma. Por outro lado, cerca de 25% do peso adquirido na gestação é devido à gordura, tecido que requer menos calor externo para sofrer aumento de temperatura (razão pela qual pessoas obesas sentem mais calor e resistem melhor ao frio).
Em contrapartida, a grávida conta com um mecanismo especial para abaixar a temperatura do corpo: no decorrer do terceiro trimestre, o volume do plasma na corrente sanguínea chega a aumentar 50%. Com isso, os vasos que irrigam a pele se dilatam e liberam calor no ambiente.
Alguns estudos avaliaram a influência da febre alta na evolução da gravidez e no desenvolvimento fetal. Febre alta no primeiro trimestre está associada a aumento de risco de malformações congênitas. O limite proposto pelos especialistas é de que existiria uma "fronteira teratogênica" aos 39ºC, acima da qual o risco seria mais alto.
Grávidas que vivem em locais com ondas seguidas de calor exagerado apresentam diminuições de até 30% no tamanho da placenta. Essa alteração ajuda a explicar o baixo peso dos bebês ao nascer e os partos prematuros.
Entre as pessoas com mais de 65 anos, o número de óbitos causado pelo calor aumenta ano a ano na Europa desenvolvida e nos Estados Unidos. Mosquitos e carrapatos que se multiplicam com mais facilidade em lugares quentes têm levado para esses países doenças infecciosas que eles julgavam extintas. Nos trópicos, que sempre conviveram com temperaturas elevadas, as consequências serão ainda mais graves. Neste momento, no Brasil, mais de 100 milhões estão sob alerta máximo de temperatura.
A humanidade começa a sentir na pele o impacto do aquecimento global na saúde. É só o começo.