Os alimentos transgênicos poderão representar, para a saúde pública dos próximos cem anos, avanço semelhante ao do saneamento básico no século 20. A descrição da molécula de DNA, nos anos 1950, rapidamente levou às conclusões que criaram as bases da transgenia:
1) Das bactérias ao Homo sapiens, os genes estão localizados entre as duas hélices da molécula de DNA;
2) Os genes de todos os seres vivos têm estruturas químicas semelhantes.
A constatação de que os genes possuem estruturas quimicamente idênticas em todos os seres criou a possibilidade de transplantá-los de uma espécie para outra, tecnologia batizada com o nome de DNA recombinante.
Já na década de 1980, essas descobertas levaram à produção de proteínas humanas em bactérias escravas: o gene do interferon humano, transplantado para Escherichia coli, permitiu que uma reles bactéria presente nas fezes produzisse interferon recombinante para tratamento de hepatites, câncer e outras doenças. Pela mesma tecnologia, hoje, são produzidas proteínas preciosas como a insulina, a interleucina 2 e muitas outras. Da mesma forma, as técnicas para introduzir genes humanos no gado leiteiro com a finalidade de obter proteínas de interesse médico, excretadas no leite, chegam à fase de implantação comercial.
Mas, nenhuma aplicação da biotecnologia tem a abrangência da produção de alimentos transgênicos. Inserir genes novos nos vegetais cria possibilidades concretas de obter plantas resistentes às pragas e às intempéries da natureza, capazes de produzir com mais eficiência e de fabricar compostos de interesse médico, como vitaminas, proteínas ou vacinas contra várias enfermidades.
Provar que um alimento faz mal é fácil; basta saber se quem comeu ficou doente. Agora, provar que não faz mal é outra história.
A produção de vacinas em vegetais poderá modificar a história da saúde pública. Por exemplo, introduzir nas bananeiras genes que codificam proteínas existentes na cápsula do vírus da hepatite B pode estimular a produção de anticorpos contra essa doença epidêmica em populações inteiras.
Alimentos transgênicos ricos em micronutrientes para combater deficiências nutricionais responsáveis por patologias graves como o câncer, assim como a possibilidade de vacinar grandes massas populacionais contra a maioria das doenças infecciosas através da ingestão de tomate, alface ou batatas transgênicas, tornam absurda a ideia de abrirmos mão do estudo e desenvolvimento de pesquisas com DNA recombinante.
Por que, então, tanta polêmica sobre os transgênicos? Por causa de duas preocupações totalmente justificadas:
1) Plantas transgênicas causarão transtornos ecológicos?
2) Alimentos transgênicos farão mal à saúde?
A primeira pergunta deve ser respondida objetivamente pelos estudos de impacto ambiental. É fundamental uma legislação que estabeleça com clareza o conjunto de testes necessários para avaliar o impacto a curto e médio prazo da introdução de um transgênico em determinado meio. Desastres ecológicos não interessam a ninguém, muito menos aos cientistas.
Quanto aos consumidores, não podemos esquecer que até hoje jamais foi descrito qualquer agravo à saúde provocado pela ingestão de transgênicos. E que, nos Estados Unidos, país de legislação bastante rigorosa, pelo menos 70% de todos os produtos alimentícios contêm algum ingrediente geneticamente modificado.
Quanto à exigência da prova de que eles não fazem mal à saúde, é preciso não esquecer que estudos positivos são fáceis de serem feitos, enquanto os negativos são difíceis de elaborar, excessivamente dispendiosos e demorados.
Explico melhor: provar que sardinha enlatada faz mal é fácil; basta saber se quem comeu ficou doente (estudo positivo). Agora, provar que não faz mal (estudo negativo) é outra história. Quantos precisarão comê-la? Milhares ou milhões? Deverão ser acompanhados por quantos anos para ficarmos tranquilos? Será seguro comê-las diariamente, ou apenas uma vez por semana, ou uma vez por mês? Quantas dúvidas persistirão no final de um estudo desses?
Só para dar uma ideia das dificuldades, tomemos o exemplo da carne vermelha. Os epidemiologistas da Universidade de Harvard estimam que um estudo programado para definir se a ingestão de carne vermelha aumenta a incidência de ataques cardíacos deveria envolver pelo menos 100 mil consumidores de carne e um número equivalente de abstinentes (grupo controle). Seria necessário acompanhá-los por pelo menos 20 anos, a um custo aproximado de US$ 1 bilhão.
Enquanto não surgirem voluntários para patrocinar uma pesquisa dessas, continuaremos sem saber se comer carne faz mal para o coração. E a carne é conhecida de nossa espécie há 5 milhões de anos!
Os que exigem estudos negativos, para demonstrar que os transgênicos não causarão problemas de saúde a longo prazo, desconhecem a complexidade do tema e ignoram a inexistência de provas semelhantes para a carne, para o arroz ou para a cenoura.
Essa questão é muito relevante para ser decidida por políticos despreparados ou por militantes repetidores de slogans a favor ou contra. Em nossas universidades e, especialmente, na Embrapa há cientistas com conhecimento suficiente para que o Brasil ocupe posição de destaque nessa área; basta um mínimo de vontade política.
O benefício que os transgênicos poderão trazer à humanidade é de tal ordem que não admite discussões apaixonadas. O tema exige preparo intelectual e racionalidade nas decisões.